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  • Ritos de passagem segundo Laz Camargo

    Marco Fronteiriço Cicatrizes são ritos de passagem, marcas como portais, divisórias de realidades paralelas, testemunhas do tempo e da transcendência do tempo. La Camargo diz: “O processo de cicatrização é uma reparação tecidual que substitui o tecido lesado por um tecido novo. A reparação envolve a regeneração de células, a formação de tecido de granulação e a reconstrução do tecido. Esses eventos não acontecem isoladamente, e sim, sobrepondo e se completando. Essa cicatriz que se transforma em uma memória conta uma história, uma origem e seus desdobramentos. Cortes, cirurgias, envelhecimento, infância, ancestralidade, maternidade, puberdade, queimaduras, doenças, afetos... tudo passa pelo corpo.” São imagens sobre essas ideias e coisas que vemos na arte de Laz Camargo, reunida na série “Cicatrizes”. Sorte ou Azar Na elaboração de sua obra a artista reúne uma multiplicidade de vozes e acontecimentos cicatrizantes: “Ouço as vivências de outras pessoas sobre ritos de passagem. A arte deve proporcionar reflexão”. Evidenciando materialmente, artisticamente, as fronteiras, é como se nessa arte houvesse ao mesmo tempo o escancaramento da cicatriz como uma mera aparência da multiplicidade avizinhada na organização do mundo. A linha cicatrizada entre os seios, o espaço entre os pulmões, a divisão dos saberes entre arte e educação: tudo isso é evidenciado para mostrar que os dois lados da fronteira existem numa inerente importância de plenitude e não estão realmente separados. A cicatriz é a estética. Ritos de Passagem O tema dessa arte é universal e antigo, mas como tudo o que é importante, deve ser ressignificado continuamente. Aquilo que é sofrido e ultrapassado, aprendido e marcado numa trajetória de vida, nem sempre é devidamente conscientizado. Numa cultura em que os ritos de passagem tradicionais – tais como a passagem da infância para a vida adulta - não são existentes nitidamente, um trabalho como o de Laz cumpre uma função propulsora de aprendizagens nesse nível. “Meu trabalho tem um fundo didático importante no sentido da humanização da arte contemporânea. A troca pedagógica alimenta reflexões. A educação comum não acompanha os movimentos artísticos. Sinto que é necessária uma orientação ou ativação do olhar do público. É preciso sempre tocar no ponto que transcende as convenções”. Cicatrizes da Infância Quelóide Passagens e Encruzilhadas (detalhe) As peças elaboradas na série “Cicatrizes” são descontínuas, como a vida é descontínua. Cada peça completa o conceito do tema como uma face do corpo de um cristal sendo lapidado. A ideia de linearidade, que geralmente se espera nas construções da arte convencional, é substituída por uma complementação poliédrica. O centro do trabalho é o próprio corpo concreto da artista, que por sua vez é composto de vozes múltiplas. A natureza concreta e poliédrica, no entanto, se espalha na pluralidade de materiais e diversidade de composições. “Sou fascinada pelos processos. Uma reflexão me incomoda e inicio processos. As persistências afloram. Não fico experimentando muito. Os materiais vão surgindo, a obra vai adquirindo vida. Gosto de passear pelos afetos, que são importantes porque o processo gera respostas a eles.” Pergaminhos Contemporâneos Descontinuidade Laz Camargo nasceu em Guiratinga, Mato Grosso. Atualmente vive e trabalha entre Guiratinga e São Paulo. É graduada em Artes Visuais pela Faculdade Paulista de Artes. Expôs “Cicatrizes” no SESC Rondonópolis entre Abril e Maio de 2018. Participou das exposições: “Arte-Educação: Tradição e Ruptura” na galeria Mario Schenberg na Funarte-SP. “R I Z O M A Mostra nômada Multimídia Internacional de Arte Contemporânea” na Secretaria de Cultura em Pelotas – RS. “Mulheres Visíveis” no Espaço Cultural Rogério Telles Scaglione – SP. “Mostra Sem Censura” em Florianópolis-SC em 2017. Em 2016 participou como artista da Residência Artística e Ateliês Educativos pelo Ministério da Cultura – SP. Atualmente trabalha como artista-educadora no Coletivo Amuela. Links: www.instagram.com/lazcamargo/ www.facebook.com/lazcamargo #LazCamargo #Artebrasileira #Artecontemporânea #Artebrasileiracontemporânea #Katawixi #Katawixiarte #LuamaSocio #Cicatrizes #Artesplásticas #Arteeducação #Artesvisuais

  • A cidade de Cora Coralina

    Caminhar pela Cidade de Goiás é principalmente sentir-se na terra de Cora Coralina. A antiga capital do estado de Goiás é uma cidade ainda preservada em várias construções históricas, porém o espírito de Cora, sempre vivo, domina a paisagem desde sua casa (essa à esquerda, na primeira foto), transformada em museu, até as atividades econômicas. Muito doce feito com as receitas da poeta é feito por ali e vendido nas ruas e lojas. É na Cidade de Goiás que vemos melhor o enorme significado da força da poesia que transforma a mulher humilde, antes confinada pelas paredes domésticas, expandindo-se pela cidade e pelo mundo. No poema “Aninha e suas pedras”, Cora, nascida Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas em 1889, deixara escrito seu método poético e prático refletido agora na paisagem: Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. Faz de tua vida mesquinha um poema. Na casa onde Cora passou a infância e depois a velhice, agora funciona um museu, onde o visitante entra em contato com o ambiente em que ela viveu os últimos anos de sua vida. Quem visita o local tem a impressão de que Cora ainda está viva. Que ela saiu um pouco e que volta já. Na cozinha, o lugar em que Cora mais ficava, a gente vê as panelas e o fogão prontos para funcionar; no escritório, seus óculos, sua máquina de escrever, seus livros; no jardim suas flores. Nas “Considerações de Aninha” a poeta já falava da sobrevida das criações a partir do criador: Melhor do que a criatura fez o criador a criação. A criatura é limitada. O tempo, o espaço, normas e costumes. Erros e acertos. A criação é ilimitada. Excede o tempo e o meio. Projeta-se no Cosmos. Passeando pelas ruas da cidade visita-se as históricas e belíssimas igrejas Nossa Senhora do Rosário, Igreja da Boa Morte e Nossa Senhora D’Abadia. Sobe-se os 100 degraus para visitar a Igreja de Santa Bárbara. Caminha-se pela Rua Abadia. Visita-se o Palácio Conde dos Arcos, o Museu de Arte Sacra e o Museu das Bandeiras. Curte-se a Praça do Chafariz e a Praça do Coreto. Sobre a paisagem desse passeio feito pelas antigas ruas da cidade fundada no século 18, na época da mineração de ouro nos territórios dos extintos índios goiases, Cora escreve em “Minha cidade": Goiás, minha cidade... Eu sou aquela amorosa de tuas ruas estreitas, curtas, indecisas, entrando, saindo uma das outras. Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa. Eu sou Aninha. Eu sou a dureza desses morros revestidos, enflorados, lascados a machado, lanhados, lacerados. Queimados pelo fogo Pastados Calcinados e renascidos. Minha vida, meus sentidos, minha estética, todas as vibrações de minha sensibilidade de mulher, têm, aqui, suas raízes. Cora Coralina é a personalidade mais ilustre da Cidade de Goiás. A poeta passou a ser admirada por todo o Brasil depois de ter sido reconhecida como uma grande escritora por Carlos Drummond de Andrade. Seu primeiro livro, “Poemas dos Becos de Goiás”, publicado em 1965, foi lançado quando Cora já tinha 75 anos de idade e a consagrou como uma das maiores poetas da língua portuguesa do século XX. Muitas pousadas, restaurantes, bistrôs e o Mercado Municipal garantem uma ótima infra-estrutura ao turista. Além dos doces, a comida típica do lugar é o “empadão goiano”, recheado de frango, carne de porco, linguiça, guariroba e queijo. E para além da cidade há cachoeiras e rotas que levam às maravilhas naturais dos outros municípios da região. Cora Coralina em sua janela #WalterAntunes #LuamaSocio #CoraCoralina #CidadedeGoiás #GoiásVelho #Literatura #Lugares #LugaresBrasileiros #Turismo #Passeio #Culturabrasileira #Poesia #Mulherespoetas #Katawixi #Fotografia #Fotografiabrasileira

  • O Corpo da atualidade na Arteterapia

    “Neste instante, esteja você onde estiver, há uma casa com o seu nome. Você é o único proprietário, mas faz tempo que perdeu as chaves. Por isso fica de fora, só vendo a fachada. Não chega a morar nela. Essa casa, teto que abriga suas mais recônditas e reprimidas lembranças, é o seu corpo.” Essas palavras de Thérèse Bertherat, criadora da Antiginástica ®, citadas em seu livro de 1976, O Corpo Tem Suas Razões, mostram-se, ainda, surpreendentemente atuais e, até, revolucionárias. Nessa era de celulares e de redes sociais, o indivíduo encontra-se cada vez mais “conectado” com o Mundo e cada vez menos, consigo mesmo – espelho de uma sociedade que busca transformar seus cidadãos em meros consumidores alienados de seus verdadeiros desejos e anseios. E tal sociedade trata o corpo como um objeto ou, como diz Thérèse, como um “corpo-carne”, algo a ser domesticado. Em Mulheres que Correm com os Lobos, Clarissa Pinkola Estés nos diz: “Está errada a imagem vigente na nossa cultura do corpo exclusivamente como escultura. O corpo não é de mármore. Não é essa a sua finalidade. A sua finalidade é a de proteger, conter, apoiar e atiçar o espírito e a alma em seu interior, a de ser um repositório para as recordações, a de nos encher de sensações – ou seja, o supremo alimento da psique (...).” (ESTÉS, 1994) O sujeito distanciado de si mesmo é o que vive o corpo “separado” da mente. Mas essa separação, na verdade, não existe. É Jung quem nos lembra que: “A distinção entre mente e corpo é uma dicotomia artificial, um ato de discriminação baseado muito mais na peculiaridade de cognição intelectual que na natureza das coisas.” E Thérèse Bertherat concorda: "Nosso corpo somos nós. É nossa única realidade perceptível. Não se opõe à nossa inteligência, sentimentos, alma. Ele os inclui e dá-lhes abrigo. Por isso tomar consciência do próprio corpo é ter acesso ao ser inteiro... pois corpo e espírito, psíquico e físico, e até força e fraqueza, representam não a dualidade do ser, mas sua unidade." (BERTHERAT, 1986). Tratar o corpo como um objeto de adequação social a uma imagem imposta externamente, desconhecê-lo, leva-nos não somente à frustração, mas também a um vazio, a uma insatisfação interna, a um perder-se de si mesmo e a um consequente adoecimento do indivíduo. É preciso, portanto, ouvir o corpo, senti-lo, respeitá-lo, liberá-lo. Torná-lo autônomo. Conhecer o próprio corpo é ter autonomia. E esta tarefa também pertence à Arteterapia. Em Grupos em Arteterapia, Angela Philippini explica que o fluir e o pulsar naturais do corpo são comunicações vitais do caminhar da energia psíquica, bloqueados frequentemente pela vida cotidiana. Assim, o arteterapeuta deve procurar formas para liberar este fluir e este pulsar, através de, por exemplo, exercícios de consciência corporal, para a expressão da criatividade do indivíduo. “O processo criativo, quando ativado de maneira adequada, restaura, resgata, recupera, reorganiza, redireciona e libera o fluxo de energia psíquica em prol do bem-estar e da expressividade de cada indivíduo.” E manter-se criativo é fundamental para a autoestima, a saúde, a vitalidade e a inteireza psíquica (PHILIPPINI, 2011): "Estar bem consigo mesmo equivale a estar bem com o próprio corpo. Tal como na expressão francesa - être bien dans sa peau(literalmente, estar bem na sua pele, logo, no corpo inteiro) - que significa estar à vontade, sentir-se à vontade consigo mesmo. Esse é o corpo que se quer: aquele no qual estamos confortáveis e com o qual podemos nos relacionar livremente com os outros. Um corpo autônomo, dono de si, da sua pele, que nos leva aonde precisamos ir e para onde nos conduz nosso verdadeiro desejo. E esse é igualmente o corpo que o trabalho de Arteterapia pode ajudar a alcançar." (PHILIPPINI, 2011). No dia 25 de agosto passado, como parte do “Ciclo Conhecer Cultura Holística”, no espaço Riserva Zen, no Rio de Janeiro, apresentei o workshop “O corpo na Arte (terapia)”, no qual expus algumas das ideias acima abordadas e propus uma vivência de corpo e arte. O trabalho corporal teve dois momentos: com os participantes deitados no chão e depois em pé, num círculo. Deitados, pedi-lhes que observassem os pontos de apoio do corpo no chão, a respiração, o movimento das costelas e a localização do diafragma. Com movimentos simples, os músculos das costelas e do diafragma foram alongados, para uma respiração mais livre e completa. Depois, em pé, os participantes levaram sua atenção para os seus pés, o apoio destes no chão, o movimento do corpo a partir dos pés como ponto central de apoio, imaginando seu corpo como o de uma árvore que balança com o vento. Esse foi o momento de sensibilização. Após o trabalho corporal, sentados, os participantes fizeram uma breve imaginação de seu corpo-árvore para, enfim, desenhar esta árvore, com materiais de colorir (giz de cera, lápis de cor, lápis comum, caneta, canetinha hidrocor, cola glitter colorida) em papel A3 ou A4. Depois, falaram sobre sua árvore e sua vivência. Alguns relataram surpresa com os movimentos novos e inusitados que haviam sido pedidos e como tinha sido agradável mexer no corpo desta maneira diferente. Disseram que haviam conseguido respirar plenamente, como nunca antes. Outros falaram da sensação de equilíbrio e movimento sentidos no trabalho corporal. Outros remeteram sua árvore à infância e suas lembranças peculiares. Muitos perceberam pontos em comum da árvore desenhada com o seu corpo, sua vida no momento atual e/ou com o trabalho corporal que haviam feito. Todas as árvores tinham vida, movimento, eixo, equilíbrio e refletiam um corpo que havia podido experimentar essas e outras sensações durante a vivência corporal e artística proposta. Trabalhar o corpo e propor uma atividade artística logo em seguida amplia as possibilidades de expressão do indivíduo: sensações, dores, lembranças, sentimentos que surgem no trabalho com o corpo ganham espaço para se manifestar na expressão artística. E a proposta de liberação da respiração e de músculos que frequentemente estão contraídos ou mesmo retraídos permite que conteúdos inconscientes venham à tona e tenham oportunidade para se concretizar através da arte, para que, assim, possam ser trabalhados terapeuticamente, levando o indivíduo a um maior autoconhecimento. Referências Bibliográficas BERTHERAT, Thérèse .O Corpo Tem Suas Razões – Antiginástica e Consciência de Si. São Paulo: Martins Fontes, 1986. ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que Correm com os Lobos – Mitos e Histórias do Arquétipo da Mulher Selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. JUNG, C. G. Fundamentos da Psicologia Analítica , Volume XII. Rio de Janeiro: Vozes, 2004 PHILIPPINI, Angela. Grupos em Arteterapia – Redes para Colorir Vidas. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011. Sobre a autora: Isabel Cristina Pinto é arteterapeuta (Curso de Arteterapia Danielle Bittencourt); formada em Antiginástica ®Thérèse Bertherat , grupo BR1; formada em Jornalismo (ECO – UFRJ); pós-graduada em Língua Portuguesa (UERJ) e em Língua Inglesa (PUC/RJ); possui Complementação Pedagógica em Língua Inglesa (PUC/RJ); professora de Inglês e Francês e graduanda em Psicologia (Universidade Veiga de Almeida/Barra da Tijuca). Contato: bel.antigin@gmail.com Leia mais a respeito do assunto em ; flaviahargreaves.blogspot.com/2018/09/o-corpo-da-atualidade-na-arteterapia.html #IsabelCristinaPinto #Arteterapia #Terapiacorporal #Corpo #Educação #ThéréseBertherat #Katawixi

  • Sobre a Arte e a consciência de Ser

    As práticas artísticas são essencialmente educativas porque constituem cultivo da expansão de habilidades do ser a partir do próprio corpo engajado numa vontade - cumprida ou rejeitada -, e consequente capacidade intelectual organizando a elaboração do projeto artístico. Pelas retomadas, interrupções, distâncias e intenções renovadas, típicas de qualquer fazer artístico, estende-se a cultura de sensações e fazeres. Um mundo se forma, se sustenta e se defende. Na educação de crianças e jovens trata-se do estabelecimento de uma espécie de reino, em que a identidade do eu estabelece-se como um ponto de partida porque tem sido ponto de chegada em suas obras. Os exercícios estéticos são propícios ao jogo identitário na medida em que propõem as práticas e conceitos de repetição e diferença no escopo do método. Nas atividades artísticas evidencia-a o aprendizado a respeito da própria percepção pelas movimentações entre as geometrias e sequências. É como se dá, basicamente, a aprendizagem na música, dança, ou na disposição espacial em desenho, modelagem, etc. Ocorre aqui, privilegiadamente, a movimentação do indivíduo no eixo espaço-tempo possibilitando a compreensão de suas próprias forças e habilidades dentro da cultura humana básica do corpo individual. Daí o indivíduo se expande para o grupo e depois para a sociedade em geral. A exemplificação da ordem sucessiva é um importante critério estético. Ela é uma das etapas primitivas do método artístico. Em música e em cores exprime-se nas escalas cromáticas, por exemplo. O percorrimento variado, pela dança, escultura ou quaisquer outras artes, em escala planificada, é uma espécie de jogo, o qual constitui o próprio território criativo disposto para a realização da obra. A ordem sucessiva, como conceito estrutural para todas as artes, possibilita a leitura da homologia entre as várias artes e a ampliação criativa da expressão em qualquer uma delas. Nesse sentido, por exemplo, a dança é obviamente uma escrita. Mas mais que isso, ela pode ser uma aceleração, uma condensação. Na dança da colheita de maçãs, por exemplo, os movimentos são geometrizados (aqui entra a habilidade do desenho) e, para quem a vê, magicamente não se evidenciam as relação entre o corpo e as maçãs porque estas estariam invisíveis, embora elas se expressem e sejam compreendidas. Isso ocorre porque a estrutura do método que possibilita a expressão do ser como arte é tão harmônica e verdadeira, que torna possível o espetáculo. Aceleração, condensação, geometrização, repetição, enfim, organização do movimento, ao se realizarem na arte, comunicam-se como ser no mundo. Desse ponto de vista a estética é um fator, em si, acelerador da sensação do tempo de vida partilhado por todos. Uma imagem condensa um dia, um momento. E esse objeto-imagem, que é mais duradouro do que o próprio momento, faz com que sonhemos uma vida duradoura, estetizada e, portanto, urgente, porque os momentos do sentimento interno de si sobrevoam, atrasados, a contextura dos objetos estéticos tão sobrecarregados de significados e se colocam em relação com o outro. É assim que a arte amadurece a vida. E preparar o amadurecimento é um dos motivos da educação. Pela prática de uma técnica artística também se aprende a necessidade da espera durante o trabalho em direção a um resultado desejado. Trata-se de um processo que possibilita, entre outras coisas, aprender internamente a identificar a sensação de regulagem entre sentimento, intelecto e vontade. A percepção da dimensão interna nesses níveis é análoga à compreensão das escalas. Apossar-se desse tipo de realização psicológica é um fator desejável no desenvolvimento de uma personalidade. A dimensão psicológica impulsionada por um projeto e sua consecução expande o sentimento de um ser, ou centro do sentimento de ser. Essa centralidade, ou unidade, é fator de equilíbrio na dinâmica existencial e constitui, ela própria, uma obra. Um aspecto importante na cultura da educação pelas artes é observar a singularidade de cada ser na interação com a técnica e o instrumento. Aqui, a relação de cada pessoa com sua arte é única. As regras estéticas são ao mesmo tempo provisórias e definitivas. Provisórias porque a adequação na utilização é sempre imperfeita, e definitivas porque voltam incessantemente a ser repetidas culturalmente. Porém a rigidez quanto à fixação das ordens possíveis dos desenvolvimentos educativos equivale a uma rigidez estética no resultado artístico. O aprendizado consiste na cultura do desenvolvimento de capacidades. Esse é o básico do método em educação. Mas obviamente não há metodologias definitivas, por isso o educador sabe que sempre estará em jogo, na existência do desenvolvimento de seu trabalho, alguma causa, denominada método, se este for conscientizado. E então o que é ser consciente neste caso? Significa poder? Ou é possível ser consciente sem poder? As duas coisas devem se complementar aqui. O método existe na esfera do poder, da regra para o direcionamento, comunicação e convivência, mas no âmbito da consciência sem poder, que deve também existir, o educador duvida do método, entra em confluência com a atitude contemplativa e vislumbra um ser humano exato, justo e pleno em sua própria liberdade, e aí abandona qualquer método. Porém sempre volta a ele, porque em sua posição, seu papel é proteger os desenvolvimentos a partir de um fazer e em tantas outras vezes sua necessidade é direcionar alunos, classes. A esse tipo de ideia educativa há a crítica da insuficiência. Obviamente outros tipos de desenvolvimentos são efetivamente necessários a uma educação completa. Unilateralidades no contexto educativo resultam no incentivo à formação de personalidades egoístas e inflexíveis, as quais terão como consequência as várias dificuldades de se adaptarem a novas circunstâncias de vida. A prevenção para isso é uma educação que cultive a capacidade de maleabilidade na experimentação da harmonização entre as partes e ritmos do ser. A dimensão do aprender é inesgotável porque, enfim, aprender significa ir com o outro. Entregar-se a outros limites que não os próprios. Nesse caso, o outro, se expressa pelas práticas da arte. Pelo lado das reflexões sobre a opressão, isso poderia ser considerado elemento de deformação, mas pelo lado das reflexões a respeito dos desafios às potencialidades realmente existentes no ser humano, aprender é um constante estímulo à vitalidade. É daí que surge a figura do educador ou professor. Com alguém ensinando, estimulando, vai-se mais longe no desenvolvimento de algo, de um ser, de um fazer. Mas o professor também segue aprendendo. Do momento em que ele encontra o aluno, ele passa a aprender com ele. Com os limites do aluno, o professor aprende os limites do método e assim cria alternativas e soluciona enigmas em favor do desenvolvimento do aluno. Para esse professor, educar é uma arte. Esse professor ou educador é artista, e seu aluno também. Os dois amadurecem juntos, realizando a obra da criação. #Educação #ArteeEducação #FilosofiadaEducação #Educaçãobrasileira #LuamaSocio #Katawixi

  • Há um incêndio no mundo

    "Caos na UERJ", da série Os cães estão à solta Há coisas tristes sob as cores fortes. Há um incêndio no mundo. Essa parece ser a mensagem de vários quadros de Renan Henrique Carvalho. Olhamos suas pinturas e percebemos uma familiaridade com todos esses assuntos urgentes e cultivados sobre as trilhas da violência com todas as suas estéticas na onipresente cultura de massas através de seus noticiários, filmes, séries, livros, músicas; junto com todos os muros, ruas, pessoas, sentimentos, sofrimentos e a política e a cidade, o planeta com suas estruturas e desestruturas, objetos, guerras, organizações e desorganizações. Mas o traços ali nos quadros são marcas de uma mão humana pertencente a um indivíduo de fora da massa. Diferente do hipnotizado homem comum, há um artista que sente intensamente tudo o que pinta. E assim as imagens que esse artista produz despertam sentimentos fortes em que vê. "É sempre bom ganhar um beijo de boa noite" Muitas das obras de Renan Henrique Carvalho são realizadas com os materiais convencionais da pintura mas obviamente o convencionalismo aqui pertence mais à esfera prática do ofício do que à questão de se cultivar cânones estéticos e ideológicos: “nas minhas referências busco os artistas desconhecidos das estórias em quadrinhos, dos mangás, dos videogames, dos filmes. Para mim a questão principal não é o que é arte e sim o que podemos fazer com a arte. Mas acredito que o contexto em que vivemos se caracteriza por uma elite que denomina o que pode ser arte e o que não pode ser arte. Pela própria história da arte podemos observar esse movimento, que nos alcança até hoje, da valorização da cultura europeia”. "É sempre um prazer", da série Exército dos inocentes Claro que pode-se dizer, sem medo de errar, que todos nós, massificados, estamos saturados das imagens da violência naturalizada pelos meios de comunicação. Mas os quadros de Renan, superando justamente essa saturação, falam dessa violência que se tornou banal tornando-a, de repente, terrivelmente impactante e significativa através das cores fortes que é o sol do Rio de Janeiro. A carioca luz dourada, com seu peculiar tom de nobreza desprezada, é despejada como que aos baldes sobre todos os desperdícios de beleza das cenas da cidade em vários quadros do artista. Ele diz: “para mim, a questão estética do trabalho sempre será a menos importante. Desenvolvo os quadros pensando na narrativa, em como vou atingir quem eu quero atacar; como vou passar para a tela o meu cotidiano, o cotidiano da minha cidade. Acredito que a beleza do trabalho não consiste na questão visual, mas sim no olhar do artista sobre o espaço-tempo em que vive.” Quadro da série Os cães estão à solta "Guerra no CIEP", da série Os cães estão à solta Apesar de muito jovem - Renan tem 19 anos - o pintor tem o entendimento técnico da utilização das cores altamente desenvolvido. Ele também domina o desenho com desenvoltura expressiva suficiente para prender o olhar do público. Sua arte, como objeto visual, é tão bem determinada, que uma das maiores influências estéticas do seu trabalho, nomeadamente os videogames, são considerados imagens inerentes à realidade: “o videogame, que é um dos aspectos pictóricos que procuro por nas telas, é um modo de fazer paralelo com o jogo da vida, em que a ação determina o futuro. Acredito que a realidade em que vivemos se relaciona com isso”. Quadro da série Os cães estão à solta Renan diz que o que aprende como aluno da faculdade de Artes Visuais da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) vai além das matérias convencionais: “o contexto político da UERJ é importantíssimo para mim e para o meu trabalho, contexto esse que não se apresenta apenas nas aulas, mas principalmente no convívio e conversas com outros estudantes. Escuto todo tipo de história de todo tipo de gente. Busco colocar no meu trabalho esse conhecimento antropológico adquirido. Acredito que a minha narrativa possui um pouco de cada uma dessas histórias que ouço”. "Hora de dormir" "Os cães estão a solta Acolitando seu juramento Pelejando contra a choldra Sem ponderar Os cães estão a solta" Há muita coisa importante nesse mundo, coisas graves, coisas às quais devemos prestar atenção. É isso que esses quadros dizem. Quanto à personalidade do artista, Renan Henrique Carvalho diz: “minhas ambições não são direcionadas para aspectos monetários ou midiáticos, busco apenas ter tranquilidade para fazer meus trabalhos sem compromissos, conviver com pessoas que admiro e ocupar o máximo do meu tempo fazendo coisas que realmente gosto”. Para conhecer mais sobre o trabalho de Renan Henrique Carvalho: Facebook: www.facebook.com/renanhenriquecss?ref=br_rs Instagram: www.instagram.com/__renanhcarvalho/?hl=pt-br #RenanHenriqueCarvalho #Artebrasileira #ArtesPlásticas #LuamaSocio #Katawixi

  • "Um pouco de tudo, talvez"

    "Um pouco de tudo, talvez", é um filme escrito e dirigido por Gilberto Alexandre Sobrinho, que também assina a fotografia, sobre o modo de vida e aspirações de jovens meninas brasileiras da cidade de Codó, no Maranhão. "Este filme é o resultado do encontro e a mensagem que as meninas queriam compartilhar com o mundo mais amplo sobre sua vida, seus desafios, suas esperanças e aspirações", diz Gilberto Sobrinho. A realização do filme foi fruto de um projeto de vídeo participativo que ocorreu como parte do projeto AHRC GCFR da Universidade de Leeds "Troubling the National Brand and Voicing Hidden Histories". No Brasil, a Prof. Stephanie Dennison e Inés Soria-Turner, do Centro de Cines Mundial e Culturas Digitais, trabalharam com o Prof. Gilberto Sobrinho (Universidade do Campinas) e Viviana Santiago e sua equipe no Plan International Brasil para organizar duas semanas workshops com um grupo de jovens de 16 a 18 anos de Codó. Assista: www.youtube.com/watch?v=P4yEzjeNobg #Umpoucodetudotalvez #FilmeBrasileiro #GilbertoAlexandreSobrinho #Katawixi

  • Uma beleza possível tanto quanto inesperada

    Nas imagens produzidas por Ivana Almeida não há referencialidade, mas tampouco uma abstração vazia. O sentido é dado pela geometria inexata em combinação com a sensação das texturas. Há uma harmonização inusitada de elementos que são próprios da fotografia e que é propícia à fruição do meio digital. Nas redes sociais, limpas de quaisquer arestas físicas, em que não há sobras de formas, essa fotografia da Ivana se imiscui como uma lembrança da realidade oculta mas nem por isso faltante. Diferente de ver uma bela paisagem, que nos deleita pela evocação da amplitude, essa fotografia nos faz relembrar tudo aquilo que existe como necessidade, engrenagem, ligação, mas que está provisoriamente esquecido,relegado, imobilizado. Recortes de superfícies mínimas, ordinariamente desprezadas. Contraste entre texturas ou planos. As formas sempre elementares, desconectadas de objetos, delineadas pela relação geométrica. E as coisas intensificadas, como uma ajuda, um realce aos outros elementos. Madeira, metal e luz parecem ser os elementos preferidos na composição da imagem. Ali está a dureza, ou a possibilidade de uma aspereza. De qualquer forma, conceitualmente há essa “brincadeira” entre a evocação de uma sensação talvez incômoda ou desagradável, caso se entrasse em contato com o objeto fotografado, em contraste com sua irrelevância ou pequeneza. Algumas imagens nem mesmo conduzem a objetos, são verticalidades de algum material plástico sujo ou limpo, sobre uma superfície enrugada, por exemplo. Cascas, pétalas, fios elétricos, fitas plásticas, fêixes, simetrias do inexato e do fragmentário, palimpsestos banais. São formas de coisas que não foram feitas para serem vistas e que abruptamente emergem. Um cano mal tapado, fragmentos de raízes, buracos de tijolos faltantes numa parede, rachaduras, reentrâncias de folhas secas. Há uma exatidão na abordagem da beleza. Embora saibamos que as imagens são recortes de objetos ou contextos mais amplos, nada falta à fotografia. O que vemos está sempre completo: uma beleza possível tanto quanto inesperada. Há aqui um ver o oculto, como uma espécie de visão do investigador do inútil. Não há fantasia. E também não se trata de “detalhe”. São apenas limites criando imagens das ninharias, das irrelevâncias. Sem recortar e mostrar o sulco do arame na madeira, os fios soltos de alguma armação sobre o fundo vermelho da parede, a ferrugem por baixo da tinta, o contraste entre a textura vegetal e o chapisco mineral, ninguém veria essas coisas. Apesar de mostrar tudo isso. Apesar de destacar o irrelevante, nada sai de seu lugar. Não há outra transformação. Não há outra coisa a partir de outra coisa. Ivana não deforma, altera ou transforma, ela vê. Ivana diz: “Minha fotografia é essa forma pictórica em relação com aspectos transitórios, efêmeros e de duração na contemporaneidade. Partindo de um levantamento de referências conceituais no campo da pintura e da fotografia proponho relacionar minha prática de imagens produzidas na ruas a obras de artistas como David Hockey, Georgia O’Keeffe, Mark Rothko, Francis Bacon”. Para saber mais sobre Ivana Almeida: ivanaalmeida.wordpress.com/ www.instagram.com/milkingastone/ morrendosegredos.com/ #IvanaAlmeida #MorrendoSegredos #FotografiaBrasileira #Fotografia #LuamaSocio #Katawixi

  • O centro como suporte para o conceito de desenvolvimento

    Roselena e Walker Dante prosseguem sua conversa infinita sob as árvores do jardim: Roselena - Como é o desenvolvimento do corpo humano? Eu mesmo respondo: da cabeça aos membros, chamado céfalo-caudal. A cabeça é o centro, a partir do qual se iniciam os movimentos. E então, também, em outro ponto substancial da doutrina do funcionamento do corpo animal, mais precisamente no nível do controle muscular, tudo ocorre a partir do centro do corpo em direção às extremidades, chama-se a isso direção próximo-distal. Walker Dante - Como é o desenvolvimento do círculo na matemática? Eu mesmo respondo: para se encontrar a circunferência, o ponto fixo é o centro, correlato conceito do raio. E o círculo, advindo dessa ideia, está dentro da circunferência formando ele próprio novo centro ao infinito sob algum ponto de vista. A inalterabilidade da fórmula do diâmetro demonstra a primazia do centro como ponto causal tanto em fenômenos geométricos quanto em suas metáforas. Agora você pode me dizer como é o desenvolvimento na arte. Roselena - O desenvolvimento de qualquer arte é uma sucessão de escolhas de um sujeito-centro a partir do qual o objeto estético aparece. Esse objeto é efetivamente um prolongamento para fora das extremidades dos sentidos, por parte do artista, para que, com isso, crie-se mais uma vez objetos de sentido. Na verdade muitos outros afazeres, além do que chamamos arte, seguem essa mesma lógica do fluxo egoico. Mas com a palavra arte, dizemos que faz-se isso com a consciência de uma projeção harmônica, ou bela. A arte é uma circulação energética simbólica proposta pelo artista. Pode-se considerar também aqui, o conceito de arte, como uma universalidade do ser-no-mundo humano. Nesse sentido então, todas as ações humanas deveriam ser a Arte da própria existência. É esse o sujeito como criador. Walker Dante - Agora você foi fundo… embora você não tenha falado, a sua explicação evoca a ideia de semente, ovo, explosão pelo ponto, mitologia... química. O centro como motor da pluralidade é também o número tomado em sua dimensão fundamental mística enraizada na noção de unidade e totalidade. Todos os números são Um=1. O centro é uma positividade em qualquer ocasião do binarismo de todos os fenômenos pensados. Esse tipo de pensamento está associado também a uma fundamentação analógica de visão de mundo, ao cosmos, o eterno grande espelho da criação com suas correspondências e gradações. Tal visão de mundo é considerada ultrapassada pelo rompimento da modernidade com suas visões de pluralidade ao infinito como ensina Foucault em “As Palavras e as Coisas”. Em nível fenomenológico pode-se observar que a dependência a uma tendência vai desencadeando ou condicionando situações que, de outro lado, também aniquila possibilidades à medida que avança escolhas. Isso não quer dizer que realmente há algum ultrapassamento como resultado de um novo mundo, esse da física quântica, do binarismo e da “criatividade” técnica. Prosseguem existindo a semente, o ovo e a pedra. Mas me conte mais sobre o centro. Roselena - Podemos "sentir a sensação” (desculpe a redundância) de mudança de estado de corpo ou dimensão física graças à noção de centro. Essa é a área da metafísica, misticismo e percepções para além dos cinco sentidos. Das vibrações cromáticas depreende-se a centralidade da luz, por exemplo. Goethe mostra que todas as cores estão na luz. A luz é o centro. Por sua vez cada cor é um centro em si. Todo o vermelho do universo está aqui, agora, e ele é revelado em formas, abundantemente ou não. Pelas formas do vermelho depreende-se o próprio vermelho como fato da luz, centro a partir do qual qualquer vermelho revela-se por sua vez. Walker Dante - Você me fez lembrar que vi hoje de manhã, na rede social mais utilizada, uma comunicação popular sobre genética. Divulgou-se que determinado tipo de câncer tivera origem num “tropeiro do século XVIII”, atingindo sua ascendência até o momento em que uma pesquisadora sobre o câncer descobriu a verdade, ou seja, justamente isso. Ela descobriu que o raio de uma roda científica que ela mesma, como aluna, estivera controlando no laboratório pós-humanista, ligava-se aos fatos de doença de câncer naquela família. O tropeiro era o centro, a partir do qual irradiou-se o câncer através dos séculos. Roselena - Agora do ponto de vista psicológico, eu acho que muito do que faz o sujeito, entre a atitude “instintiva”, pura, e a consciência luminosa, é um trabalho de preenchimento, ocupação, justamente do círculo a partir do centro da personalidade básica: respostas a estímulos pré-projetados. Mesmo que o projeto não seja algo necessariamente bem delineado como objetivo. O projeto não precisa ser uma imagem específica, mas sim apenas a meta do preenchimento. Algo escrito por Hegel ilumina os meandros do centro como sujeito além, é claro, de iluminar sempre, com isso, o grave problema da identidade. Vou pegar aqui a seção 18 da Fenomenologia do Espírito: “… a substância viva é o ser, que na verdade é sujeito. (…) Como sujeito, e a negatividade pura e simples, e justamente por isso, é o fracionamento do simples ou a duplicação oponente, que é de novo a negação dessa diversidade indiferente e de seu oposto. Só essa igualdade reinstaurando-se, ou só a reflexão em si mesmo no seu ser-Outro, é que são o verdadeiro; e não uma unidade imediata enquanto tal. O verdadeiro é o vir-a-ser de si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua meta, que o tem como princípio, e que só é efetivo mediante sua atualização e seu fim”. Walker Dante - Já que você foi tão longe, me atrevo a associar essa conversa com a questão política-estatal apenas para ilustrar mais um caso do centro como conceito-suporte para pensamentos explicativos ou analíticos. Aparece com grande clareza, até mesmo como “raia teórica”, o estruturalismo "cepalino” (referente a Cepal, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe da ONU), eminentemente econômico, utilizando-se da baliza do “enfoque da dependência” para a ideia de “desenvolvimento, mudança social e estrutura política” em vários tópicos, dentre os quais a importantíssima questão de “metrópole e satélite”. Todas essas ideias, a meu ver, estão enraizadas na noção de centro. Vou ler um trecho que consta de um livro organizado por Octavio Rodriguez sobre o assunto: “No que diz respeito ao âmbito político, parece ser que no enfoque sobre a dependência que a concebe como relação estrutural interno-externa subjazem os pontos de vista longamente elaborados na Cepal, sob forte influência das ideias básicas e institucionais de Prebisch (Raúl Prebisch, economista argentino e o mais destacado intelectual da Cepal). De fato, tais pontos de vista se assentam na colocação de um referente de acordo com o qual certas condições de proporcionalidade na expansão das diferentes atividades produtivas têm de ser cumpridas para que o desenvolvimento da periferia prossiga; e se apoiam, também, no estabelecimento das desproporcionalidades que dificultam o cumprimento daquelas condições e, portanto, do próprio desenvolvimento. (…) o crescimento para fora, a industrialização substitutiva, o posterior entorpecimento desta última. Pois bem, o enfoque de F.H. Cardoso e Falleto assume a consideração destas pautas e aceita a sucessão, isto é, personifica com base nelas. O que se configura como uma amostra - ao que tudo indica convincente - de qual é a conceitualização tacitamente adotada por esse enfoque em matéria econômica”. Pois então, a mim esse tipo de discurso me parece uma tentativa de naturalizar o fenômeno da dominação econômica por meio da simbologia universal das palavras "referente", "dependência", "periferia", as quais dependem do conceito de centro. E claro, por se tratar aqui de política, não consigo deixar de enxergar um certo despudor na naturalização da intenção exploratória, a qual com certeza vela uma ameaça terrível de guerra no sentido mais primitivo possível, ou seja, no sentido material e real, entre as classes e entre os estados. Ao evocar a forma redonda (com centro, raio, periferia e direção) para a situação política, evoca-se sempre o totalitarismo global. Roselena - Mas para te tranquilizar um pouco digo que também ocorre com grande clareza muitas variáveis da imagem da centralidade no livro “A Natureza do Espaço" de Milton Santos, criticando justamente essa naturalização política e econômica. Não vou salientar a tese da obra de Milton Santos, mas apenas quero te mostrar que, aqui, também explica-se a questão da dominação a partir da ideia de centro. Por exemplo, vemos os raios da centralidade constituídas por sujeitos da intenção, convertidos em escalas, nesse trecho do fim do livro: “A ordem global funda as escalas superiores ou externas à escala do cotidiano. Seus parâmetros são a razão técnica e operacional, o cálculo de função, a linguagem matemática. A ordem local funda a escala do cotidiano”. É preciso notar que a imagem do centro, nessa obra de Milton Santos, já é abordada a partir de uma imagem mais moderna, retirada do método da técnica hegemônica, que é a computação e também, pasme, a teoria quântica. Walker Dante - Então só te digo mais seis coisas: 1 - a quebrada também é sujeito; 2 - eu não vou na sua casa pra você não ir na minha; 3 - o que é o centro ?; 4- até bem pouco tempo refrigerantes e sabonetes industrializados eram coisas supérfluas; 5 - o movimento = a percepção; 6 - ser é ser percebido. Bibliografia “Fenomenologia do Espírito”, Hegel. “O estruturalismo latino-americano”, Octavio Rodriguez “A natureza do espaço”, Milton Santos balgidoquiage.wordpress.com/2014/05/02/principio-do-desenvolvimento-humano/ Resenha sobre “Lógica e filosofia da linguagem”, reunião de escritos de Frege: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142014000300023 Explicação circunferência, círculo e diâmetro: mundoeducacao.bol.uol.com.br/matematica/circulo-circunferencia.htm #Filosofiabrasileira #LuamaSocio #Filosofia #Centroeperiferia #Katawixi #MiltonSantos #Hegel #OctavioRodriguez

  • “Do Amor”, a matéria resistente segundo Ana Rüsche

    Fusionar uma narrativa tênue, mas bem formada, com frases dramáticas, poéticas e filosóficas contando as impressões subjetivas saborosas, ironicamente didáticas ou reconfortantes de uma história nada heroica, continua sendo uma façanha de alquimia literária. Esse livro da Ana Rüsche, “Do Amor, O dia em que Rimbaud decidiu vender armas” traz à tona uma destreza textual conquistadora da atenção bastante rara. O próprio livro é um bombom para quem lê. Gostoso. “Alguns instantes mais tarde, na calçada ante o bombom e o ponto de ônibus, desembalo o celofane em 27 segundos de malícia e ruídos que embalam o coração. Mordo.”, diz a narradora depois de mostrar versos que fizera “a partir de uma aula sobre Blake”. Um certo tom de paródia, em degradée, confere ao livro aquela atração peculiar dos sabores picantes. O exagero patético do romantismo pós-burguês da juventude do começo do século XXI que por sua vez leu e aprendeu aquelas coisas de duzentos anos atrás com Stendhal, Kierkegaard, sem falar de todos os livros daqueles americanos malditos da primeira metade do século XX: “Sim, fui muito vadia durante esses poucos primeiros meses de paixão extremada, como se com as pernas abertas para outros conseguisse tirar aquele ranço melancólico dos ossos”. Agilmente, aquilo que seria só romantismo em outros tempos… imiscui-se num sentimento político aberto. O território do poder longínquo da dimensão social como horizonte político de se viver na cidade do ano 2000 acrescenta dimensões de meandros expandidos na vida da personagem narradora. “Novamente os pensamentos são como serpentes inquietas nos cabelos de Medusa, com a óbvia diferença que meus olhos não possuem poderes de empedreirar heróis e de minhas entranhas não sairão cavalos alados - esta América Latina vai irregular, com certezas e turbulências, lembro do amigo com suas histórias de tangos e becos, tão próximas de sambas brasileiros, cheio do doce do açúcar e das pessoas comercializadas, histórias palpáveis, bastava estender a mão e as tocaríamos”. A consciência da literatura é um tema contíguo, desde o título do livro, citando Rimbaud. Obviamente todo esse recurso a referências literárias é mais um bonito conteúdo estilístico e realmente homenageante a todo o modernismo brasileiro. Nesse sentido o livro de Ana Rusche é algo erudito. Mas não no sentido vetusto enjoativo e empafioso. Soa mais como um estímulo à recordação da inerência do nosso Modernismo antropofágico. “Os estranhos que se banqueteiam na sala olham com gula as ancas de Penélope. Frágil responde com suas mentiras desfeitas em fios que enforcam seus dedos todas as noites. E ainda hoje estudiosos redigem dissertações a perquirir: seria Penélope fiel?" O tempo passa. Está-se na segunda década do século XXI. O que ocorre é um momento de se olhar para trás meio que de soslaio. E isso é bom: lidar assim com o passado, não o fazendo de sério, mas apenas inevitável. “Anos depois de escrever esta novela, fui efetivamente para Harar! Sim, a cidade em que, na lenda, Rimbaud se refugiou, onde largou a vida de escritor e passou a traficar armas”. Eis que a própria literatura, encarnada na narradora, percorre passos que parecem conduzir à terra mítica da estrela Rimbaud! A parte do planeta Terra que reflete essa estrela é a África, que fica do outro lado do mar do Brasil. Na mesma noite em que peguei nas mãos esse livro, li-o de cabo a rabo, num dos momentos de leitura mais divertidos que tive nos últimos tempos. Ana Rüsche tem aquele tipo de humor inteligente, irônico, que toda pessoa que se identifique com a sua personagem, aprecia e se esbalda. Claro que talvez eu seja o público-alvo de sua personagem em “Do Amor”, alguém jovem, adulta, predisposta à poesia prática, trabalhador e um pouco boêmia em São Paulo nos anos 2000. “Sim, este amor faz com que eu permaneça ali, matéria, mais resistente do que os rochedos intrépidos a apanharem vagas violentas da história”, escreve a narradora enquanto a personagem está numa boate. Essa "até agora única edição” de “Do Amor, O dia em que Rimbaud decidiu vender armas”, de Ana Rüsche, é muito bem cuidada, artesanal, costurada, com a marca do selo Quelônio. Ana Rüsche Facebook: www.facebook.com/anarusche?ref=br_rs Instagram: www.instagram.com/anarusche/ #DoAmorOdiaemqueRimbauddecidiuvenderarmas #AnaRüsche #LuamaSocio #LiteraturaBrasileira #literatura #Katawixi

  • Futebol signo cultural da república

    Um diálogo sobre coisas da república e do futebol, num estilo quase debate de boteco autêntico, 11 X 11, entre um embarque e outro na plataforma para o Novo Mundo. 1 Luama Socio: O futebol, assim como outrora os espetáculos de gladiadores é um elemento de harmonia da república. É o tipo de cultura elaborada de cima para baixo com justas correspondências de baixo para cima. Tem nas suas origens históricas uma associação com a ideia de camada popular trabalhadora. Como espetáculo promovido pelos governos para apascentar as massas há a contraparte do próprio povo se considerar como integrante de uma nacionalidade através da identificação com o esporte. Walter Antunes: Os conceitos de harmonia e de república, bem como o do próprio futebol podem e são moldados ao gosto do freguês ou do filósofo em qualquer tempo. A apropriação da festa e do genuinamente popular “pelos de cima” para perpetuação de sistemas de dominação ao longo da história é facilmente observada em qualquer enciclopédia ilustrada. Uma disputa sob bandeiras é o ápice disto seja numa pátria de chuteiras ou numa república de bananas. 2 Luama Socio: Alguns contos do Alcântara Machado, em “Brás, Bexiga e Barra Funda” ilustram o papel do futebol como mediador cultural na formação da identidade do povo da cidade de São Paulo na primeira metade do século XX. Ali o futebol é contextualmente naturalizado. É o cenário de disputas amorosas e emoções juvenis da camada popular. Esse é um exemplo de elaboração do tipo “de baixo para cima”. Já a elaboração “de cima para baixo” pode ser exemplificada através de um texto da jornalista Gabriela Costa, em que consta que o período em que o futebol foi mais evidentemente “utilizado” pelo estado brasileiro foi durante a Ditadura Militar (1964-1985): “Neste período - especialmente entre 1966 e 1971, no governo do general Médici -, a agência especial de relações públicas ligada ao Regime promoveu a associação entre a imagem da Seleção Brasileira e o governo militar”. Muita gente se lembra ainda do slogan depreendido de um jingle da época cujo núcleo leva a expressão “90 milhões em ação, salve a seleção”. Walter Antunes: A crônica sobre a formação de uma cidade ou de uma vila pode ter a sorte de encontrar um cronista mais ou menos atento a certos detalhes, mais ou menos romântico e esperançoso. Arqueólogos que sejam minimamente verdadeiros dentro da proposta ciência vão sempre poder verificar através das ruínas e escombros o que de fato movia o surgimento e a manutenção do povoado e o quanto eram esperançosos e atentos seus poetas e cronistas quanto ao apito da fábrica e ao relógio da praça da Sé. Estudos que comprovam a utilização do esporte em favor da continuidade de um projeto de poder sempre acrescentam luz para a conversa, não importa que sejam sobre a Alemanha Nazista ou as Ditaduras sul-americanas. Quanto ao Brasil o golpe militar já estava consolidado e aceito pela população desde 1964 muito antes da Copa do México de 1970. Assim como todos os golpes no país sempre foram assimilados ou apoiados pela passividade quase total da população. A ditadura civil com disfarce de ditadura militar se estendeu até quando foi do interesse dos mandatários. Supor que o Tricampeonato da Copa do Mundo e a conquista da Taça Jules Rimet deram novo gás aos golpistas com a manipulação do povo é o mesmo que supor que pudesse haver uma revolta popular contra o regime após a não conquista da Copa de 1966, a primeira sob a ditadura e tida como título assegurado pelos torcedores antes mesmo da bola rolar. 3 Luama Socio: Sêneca (4 a.C - 65 d.C) enfatiza o papel ordenador das festividades na organização da república já na época áurea do império romano: “Os legisladores instituíram os dias festivos para coagirem publicamente os homens a se alegrarem, interpondo ao trabalho uma interrupção necessária”. Este antigo filósofo obviamente descarta qualquer ideia de benefício à pessoa de personalidade filosófica, advinda da integração à massa submetida à autoridade: “E, certamente, nada é pior do que nos acomodarmos ao clamor da maioria, convencidos de que o melhor é aquilo a que todos se submetem. (…) Morremos seguindo o exemplo dos demais. A saída é nos separamos da massa e ficarmos a salvo.” Walter Antunes: Contra o Carnaval, o Futebol e a grande festa local ninguém nunca pode, sejam autênticos os rituais e as celebrações, ou já completamente manipulados pela “Lei Vigente”. Sêneca com sua inegável sabedoria está infelizmente também na raiz do estereótipo vazio de personagens contemporâneos que na arrogância da auto-consideração por seus notórios conhecimentos se distanciam ou se aproximam do povo conforme a moda. Seria assustador se não parecesse já tarde demais para uma mudança, constatar que as instituições que se gabam de serem grandes nesta nossa república da bola, adotaram desde sempre esse mesmo comportamento individual do sábio distante do povo, o que leva à própria morte do saber e o rompimento entre o conhecimento, a sabedoria e a vida, replicando o próprio Sêneca com sua morte tão absurdamente distante de toda sua obra. 4 Luama Socio: Há a utilização metafórica do futebol para designar momentos do jogo político. Por exemplo, o Paulo De Moraes escreve (na rede social mais utilizada) seu desalento diante do desgoverno atual posicionando-se como um torcedor ou jogador imaginário com parcas esperanças de vitória diante do adversário golpista: “A Estratégia de quem não tem nada a perder, porque já perdeu tudo: Neste caso, a única possibilidade, não de vencer, mas de superar a derrota do golpe, é a de aproveitar todos os pênaltis (risos). Ou seja, as oportunidades táticas. A Estratégia de quem não tem nada a perder, porque já perdeu tudo.” Walter Antunes: Sabendo que o jogo começa como espetáculo com a chegada das simpáticas naus Santa Maria, Pinta e Nina e que a preparação para o “jogo do Brasil" é a própria continuação do Império Romano como nos lembra Darcy Ribeiro, é apenas por um gesto de simpatia que torcemos pelo lado mais fraco, aquele time que todos sabem que vai resistir boa parte do tempo, mas ao final dos noventa minutos acabará perdendo para a equipe mais forte. Já que é um jogo com ganhador já sabido. Não que o lado mais fraco seja o mais fraco, mas por ter assumido desde 1500 o papel de fraco e explorado, e insistir nele ao longo dos séculos. Então o golpe na verdade não é um campeonato, nem mesmo uma partida, apenas uma fração do jogo de Cabral. 5 Luama Socio: A metáfora aponta para a estrutura política da qual o futebol faz parte. Se o futebol fôra instrumentalizado pelos militares, também serviu ao governo Lula à identificação com o povo. Professores universitários (Mascarenhas, Silva e Ribeiro dos Santos), num artigo relacionando o “Lulismo e o futebol”, escrevem: “No Brasil, parece ser correto afirmar que falar sobre o futebol é uma forma de falar sobre o país. (…) A capacidade retórica de Lula, capaz de cativar interlocutores os mais distintos, mas também alcançando com maior ressonância a população mais pobre, justifica-se, em grande medida, pelo uso da metáfora. (…) Não por acaso, o ‘futebolês’, inteligível a quase todo brasileiro, sem excluir os mais ricos e sofisticados, foi uma língua usada para falar de perto ao povo mais pobre”. Walter Antunes: Lula não falou ao povo mais pobre e se falou, esse povo não ouviu, por estar demasiado ocupado em trabalhar ou ocupado em se tornar o primeiro universitário da família ou estar comprando a primeira casa da família ou estar acendendo a primeira tomada de energia elétrica da família ou viajando pela primeira vez de avião para rever a família. Se existe mesmo um lulismo, ele não falou ao povo como o chavismo, já que aquele povo venezuelano, mesmo sob cerco cruel e desumano, não aceita a volta dos 500 anos que antecederam Chaves. Lembrando o mestre do futebol Neném Prancha, ensinando aos jogadores para não dar chutão e sim priorizar o passe rasteiro: “a bola é feita de couro, o couro vem da vaca, a vaca gosta da grama, então a bola é no chão”. 6 Luama Socio: Os professores mencionados acima citam um discurso feito por Lula em 2010 durante a cerimônia de entrega do Prêmio Nacional de Direitos Humanos: “Quando vai chegando o final do governo, a gente vai tendo a sensação de que estava assistindo a uma partida de futebol, e eu vou falar em futebol, porque as pessoas mais humildes compreendem mais se eu filosofar futebol. Então, nessa partida de futebol, eu não tenho dúvida nenhuma de que nós estamos ganhando o jogo de quatro a zero, cinco a zero... E aí, nós temos três tipos de torcedor: nós temos aquele torcedor muito otimista, que acha que era impossível fazer mais, que nós fizemos de tudo, que os gols foram os mais bonitos que já foram vistos dentro do Maracanã. Nós temos aquele pessimista, aquele que fica: “Pô, só cinco a zero! Por que não fez 10? Porque não fez 15? Poderia ter feito mais!”. Também não vai acontecer. E aquele que é um pouco o que vocês são: o torcedor forte emocionalmente, mas também forte racionalmente, que vocês estão contentes com o 5 x 0 mas, ao mesmo tempo, acharam alguns gols bonitos, outros mais ou menos, outros feios, e acham que o time poderia ter feito mais, se não tivesse perdido tanta bola, se não tivesse dado passe errado. A política é um pouco assim. Eu sei que nós fizemos muito, mas eu sei também o quanto falta ser feito neste país”. Walter Antunes: A principal fala de Lula sobre futebol passou despercebida pela quase totalidade das pessoas e hoje é já esquecida. Em 2007 ele disse sobre o rebaixamento do seu querido time: “O Corinthians tem que pagar e aprender pelos seus erros”. Talvez por ser metaforicamente/simbolicamente o mais brasileiro de todos, Lula estivesse prevendo o que estaria por vir. Num rápido paralelo política/futebol temos: o arco de alianças e partidos não confiáveis/a diretoria do time; a grandeza do Brasil/Corinthians; a força desprezada do povo brasileiro/torcida fiel. O jogo segue. Independente do governo ou presidência do time, o que importa é a vida e o Corinthians em campo, sabe-se que o juiz é ladrão - no campo de futebol e na política, mas insiste-se em jogar a partida. 7 Luama Socio: A estrutura mítica do futebol, no mais pleno sentido grego do termo, foi apontada por um erudito político brasileiro, fundador do PSDB, o Artur da Távola (1936-2008), de uma forma bastante interessante. Ele explica que o mito básico de todo esporte é o suplício do herói, a luta permanente da força com a harmonia. “O futebol mitologiza a vida por representar a vitória do trabalho, da regra, da lei, do conhecimento, do melhor preparo. Significa a operosidade, a defesa do território (ou da propriedade) através da ação conjunta da comunidade (o time). Esta ‘comunidade' tem os líderes, guerreiros, sacerdotes, defensores, artistas, penetradores sorrateiros, estrategistas, teóricos e pensadores”. Walter Antunes: O Sr. da Távola poderia ter levado um pouco da sua erudição para o partido que fundou, até porque os tucanos são aves míticas assim como a távola é redonda. Poderia ter mostrado por lá, também alguns preceitos dos boleiros como: não se fura a fila para ser titular, jogador com ego inflado não ganha campeonato, bola na trave não altera o placar, se macumba ganhasse jogo o campeonato baiano terminava empatado, o jogo só termina quando o juiz apita. É preciso aqui entender tudo isso também metaforicamente com relação à política. 8 Luama Socio: O mais interessante, na análise de Artur da Távola, é que o elemento específico e diferenciador do futebol (em comparação com o sistema de pontuação dos outros esportes) é que é o esporte que “permite a mais elevada taxa de acaso” associada a uma privilegiada potencialidade orgástica. Infelizmente esse traço distintivo vem sofrendo tentativas de apagamento pela cultura da repressão disseminada na atual fase da civilização: “O momento do gol, por sua explosão e caráter de prazer total, é o instante de liberdade no qual o homem ganha o direito da plena expansão, do salto, do grito, da desrepressão. Limitar a efusão orgástica é grave manifestação simbólica do ânimo de repressão subjacente nas limitações dos autores das regras." Walter Antunes: Durante anos vimos em setores intelectualizados e da mídia, essa persistência em comparar o gol ao orgasmo. Para o boleiro verdadeiro o jogo não substitui os outros aspectos da vida e outras paixões. Ele sabe que a vida é maior que o próprio futebol, que depois dele outros virão chutar a bola. Sobre a “atual fase da civilização”, talvez muitos não previssem que “a satisfação, o orgasmo, o prazer total”, pudessem se resumir em tão pouco tempo, de forma voluntária, e em escala planetária, ao onanismo-smarthphoniano. Alguém pode lembrar de Barbarella como enviada do planeta Terra - onde não se pratica mais “sexo carnal”, apenas se usa cápsulas para replicar sensações deste processo - chegando a um longínquo planeta e encontrando seres em diferentes “estágios civilizatórios”, desde o excluído que a reintroduz à tradicional forma de contato orgástico até o revolucionário responsável e consciente que prefere usar a “pílula do amor” para não parecer um mero selvagem. Em tempos de selfie-stories tudo isso é apenas uma fichinha de orelhão. 9 Luama Socio: outro lado, refletindo a identificação do povo brasileiro, com todas as suas mazelas e características específicas, projetadas na relação com o futebol, Artur da Távola diz: “Enquanto o país como um todo não realizar o grande metabolismo interno de suas fraquezas e forças, de suas caraterísticas, defeitos, estilos e virtudes, viverá por certo, da ilusão da vitória, do ‘milagre’, do ‘maior do mundo’, enquanto, a seu lado, medram a miséria e a iniqüidade social”. Walter Antunes: Retornamos ao campo de jogo, mais precisamente voltemos ao Estádio do Pacaembu na tarde do domingo, primeiro de maio de 2011, clássico pelas semifinais do Campeonato Paulista, o Corinthians de Tite versus o Palmeiras de Scolari. O que menos importa é a vitória do time alvinegro e a classificação para as finais. O mais importante é o ensinamento filosófico que ficou eternizado na história, e que não veio de Sócrates (nem do jogador, nem do filósofo), mas do treinador alvinegro para o eterno admirador de Augusto Pinochet, técnico palestrino: “ Fala demais! Fala demais!” 10 Luama Socio: Sêneca, estoico, portanto um tipo filosófico bastante “senso comum”, metódico, metafísico e enfim culpado de valores a serem refutados pela dialética; esse filósofo que figura entre os mais vendidos livros de bolso em aeroportos e rodoviárias; um vento de lucidez crítica que vem dos tempos áureos e frescos do império romano; já aludia ao que que viria a ser também o futebol apontando para a frivolidade desse tipo de “cultura”: “Seria exaustivo demais examinar cada um daqueles que desperdiçaram a vida em jogos de xadrez, de bola, ou bronzeando-se ao sol. (…) Ninguém duvida serem muitos os que se cansam sem nada fazer”. Walter Antunes: Sêneca sempre exato com as palavras nos coloca a responsabilidade que temos perante nós mesmos e nossas vidas. Uma humanidade que se desperdiça individualmente desde sempre entre suas opções: caçar mamutes congelados ou não, fazer rabiscos em cavernas, rabiscar milhares de anos depois sobre os rabiscos nas cavernas, torcer feito louco por um time de futebol, assistir cabeças serem decepadas e o sangue jorrar em arenas romanas ou até mesmo incendiar a própria Roma. A responsabilidade com o ser e o agir. 11 Luama Socio: Na visão de Sêneca, a futilidade do tipo de conhecimento que perfaz a literatura e o discurso produzidos pelo futebol estaria classificada entre os maneirismos do afã típico de quem acha importante colecionar informações sobre feitos considerados quantitativamente gloriosos através da história. É possível resgatar aqui a crítica a esse conhecimento feito de uma historiografia quantitativa, transformada em estatística, e portanto em “ciência”, grandemente ajudada atualmente pela memória dos computadores, de modo que pode-se dizer sem medo de errar que, em futebol, a “história” é uma ciência exata. “Esse foi um legado dos gregos, procurar saber quantos remadores tinha Ulisses, se foi a Ilíada ou a Odisséia que foi escrita primeiro. (…) Eis que essa paixão de aprender coisas inúteis tomou conta dos romanos”. Walter Antunes: Nestes tempos de contabilidades e disputas sanguinárias por curtidas em sistemas binários e não binários, de proliferação de almanaques e “sábios instantâneos” no Instagram ou não, de futebol de autômatos, de donalds e mitos de um único dia, verificamos as certeiras palavras de Sêneca e cada vez mais sentimos que Vicente Matheus também estava certo ao agradecer à Antartica pelas Brahmas enviadas para a festa. Referências Bibliográficas “Comunicação é mito”, Artur da Távola. “Da tranquilidade da alma”, “Aprendendo a viver”, “Sobre a brevidade da vida”, Sêneca. “A estreita e histórica relacão entre futebol e política”, Gabriela Costa. https://www.huffpostbrasil.com/gabriela-costa/a-estreita-e-historica-relacao-entre-futebol-e-politica_a_21670047/ “Lulismo e futebol: os discursos de um torcedor presidente”, Fernando Mascarenhas, Silvio Ricardo da Silva, Mariângela Ribeiro dos Santos http://www.seer.ufrgs.br/Movimento/article/viewFile/41837/28914 #LuamaSocio #WalterAntunes #Futebol #Política #PoliticaBrasileira #metáforasfutebolísticas #futebolepolítica #copadomundo2018 #paísdofutebol #Katawixi

  • A paisagem onírica de Itaimbezinho em Aparados da Serra

    Pode-se visitar o Parque Nacional de Aparados da Serra, que faz divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, partindo de Porto Alegre em direção à cidade de São Francisco de Paula. O trajeto é curto, em torno de 2 horas. Ali há vários hotéis e pousadas bem interessantes. Como costuma fazer bastante frio, todos os lugares têm aquecedores, de forma que os espaços internos parecem sempre aconchegantes. Passeia-se por São Francisco de Paula, toma-se café, anda-se pelas ruas de paralelepípedos entre casas de madeira de duas águas e álamos; passeia-se à roda de um bonito lago, às margens do qual está o histórico hotel Cavalinho Branco; o por-do-sol reflete-se nas águas douradas e há patos. Come-se os melhores salames, copas e queijos do Brasil. Saímos de São Francisco de Paula para visitar o cânion de Itaimbezinho, no parque de Aparados da Serra, que fica nos limites de outro município, Cambará do Sul. Fomos guiados por Rosa, 54 anos, taxista e caminhoneira, uma mulher de personalidade singular e interessante. A paisagem gaúcha é fria, com um toque lúgubre. Há uma solidão plástica. Cambará do Sul parece uma cidade de sonho, envolta em neblina, com pessoas vestidas com roupas gaúchas tradicionais, casas de telhado inclinado para escorrer o frio. O maior atrativo do Parque de Aparados da Serra é o cânion Itaimbezinho. O abismo tem 700 metros, feito de paredões verticais e fenda estreitíssima. Dizem que é um dos maiores das Américas, todo cercado por Mata Atlântica e florestas de araucária. Trata-se de uma paisagem grandiosa e magnífica cheia de ecos, cores e sons misteriosos, envolta em neblina e raios de sol. No parque, percorremos a trilha do Cotovelo. As araucárias são as maiores do mundo; muitos rios transparentes e rasos com pedras ao fundo, teias de aranha prateadas com pingos d’água, bromélias, samambaias, neblina aumentando e diminuindo ininterruptamente e o cânion estupendo, vertiginoso, miríades de ecos de pássaros, gralha azul, papagaios-de-peito-roxo, urubus. Dizem que também há jaguatirica, guaxinim e leão-baio. O visitante tem a possibilidade de fazer três trilhas nesse Parque, a do Vértice, a do Cotovelo e a do Rio do Boi, esta última é que dá acesso ao interior do cânion. Para esta trilha a entrada é pelo Posto de Informação e Controle do Rio do Boi, que fica no município de Praia Grande/SC. Mais informações http://www.icmbio.gov.br/parnaaparadosdaserra/guia-do-visitante.html #FotosWalterAntunesTextoLuamaSocio #WalterAntunes #walterantunes #katawixilugares #lugaresbrasileiros #turismobrasileiro #ParqueNacionaldeAparadosdaSerra #fotografiapaisagembrasileira #RioGrandedoSul #SantaCatarina #luamasocio #LuamaSocio #Katawixi

  • Identidade, luta política e a ideia de democracia

    ilustração Luama O tópico da identidade no escopo da luta política é da maior importância na medida em que expressa a contraparte complementar da organização social sob a ideia de democracia, a qual implica a participação do povo no governo. Toda tentativa de dissolver esse tópico equivale a uma postura antidemocrática. Nessa dissolução estão incluídas as dissensões e confusões, nos próprios setores delimitados de lutas identitárias quando, por exemplo, rechaçam a participação, em suas lutas, de vozes aliadas não oriundas do mesmo corpo identitário. A multiplicidade de interesses num contexto cultural complexo se reflete em várias elucidações teóricas que tentam dar conta de uma realidade social de fato instável e contraditória na dinâmica entre o regime, as leis e as práticas culturais. Mas o caso é que nenhuma confusão anula a questão identitária como elemento constitutivo mesmo da democracia, refletindo condições particulares dos aspectos universais, não importando em qual grau ela se determine. O sentido da luta identitária é forjado inteiramente no âmbito do jogo simbólico das relações humanas embora sua necessidade esteja enraizada em necessidades materiais. A questão da identidade como luta política evolui de um entendimento fenomenológico, em que historicamente as identidades são identificações de sujeitos outros em contextos descritivos ou caracteriológicos, para o estatuto de objeto de intenção, de sujeitos que reivindicam a identidade como direito através do reconhecimento qualitativo do ser existente, com especificidades universais. Enquanto que no âmbito pessoal, individual, a identidade se faz por uma inevitabilidade que depois poderá ser reconhecida, pelo sujeito, como uma parcialidade numa existência talvez desejavelmente mais ampla (algumas pessoas dizem ser possível atingir uma percepção de que uma identidade é uma parcialidade frente à potencialidade “mística” do desenvolvimento da percepção, a qual liberta o indivíduo de compromissos fixos com as identidades acidentalmente agrupadas em sua psique em favor de uma maior liberdade perceptiva), no âmbito cultural a constituição identitária é elemento fundante da organização social, em que os sujeitos desempenham papéis em um grupo social, o qual é determinado justamente pelas percepções condicionadas pelas identidades. Trata-se de uma obviedade o fato da construção identitária - pois a própria “natureza” humana é tal que pode (e de fato o faz) se identificar com qualquer coisa . É assim que no âmbito social a identidade expressa o próprio corpo político, o qual reflete complementarmente essa qualidade universal humana, da disposição à identidade: se todas as coisas percebidas formam a identidade do próprio homem, todas as identidades devem ser então percebidas como tais, e incluídas, em seus interesses, na organização social, como sujeitos. A força da luta identitária deve vir de sua intencionalidade plenamente consciente, o que faz dela o elemento democrático e propriamente político por excelência. É isso que talvez torne possível o professor de direito Pedro Serrano dizer: “se o povo não cuida dos seus direitos, ninguém vai cuidar”. É possível então tocar esse tópico a partir de vários ângulos, e todos eles são desejáveis para a construção de um entendimento sobre a necessidade de tratar desse tema. É assim que emergem imbricados os aspectos históricos, sociológicos, filosóficos e sociológicos que confluem conhecimentos diversos para a questão. Na luta política pode-se dizer, grosso modo, que a questão identitária aparece como contraparte cultural da uniformização generalizada imposta pelos sistemas sociais à diversidade humana, que remonta historicamente ao surgimento dos estados, da indústria, da hegemonia técnica associada ao desenvolvimento da ciência materialista e do capitalismo, desembocando no consumismo como forma de vida privilegiada. A questão identitária reflete ainda uma estrutura interna antiquíssima dessas condições: a divisão do mundo entre senhores e escravos. Assim, num país em que o estado, estruturado formalmente, garante os direitos a toda sua população, a luta política identitária apenas aparece como contraditória quando não se reconhece que essa luta reivindica a garantia da diferença inserida na estrutura de igualdade de direitos. Essa luta, como uma espécie de sintoma de saúde social num esforço de correção ou cura das injustiças, é a única alternativa que expressa um vislumbre de verdadeira humanidade na finalidade da convivência social. A despeito de todos os totalitarismos, jamais poderá ocorrer o apagamento das diferenças ou sua total subjugação. A aspiração ao universalismo do humano no sentido do “poder do negativo" é uma quimera e um horror do ponto de vista real e material. Essa posição pode ser exemplificada nas palavras de Douglas Rodrigues Barros, em “Contra o retorno às raízes: identidade e identitarismo no centro do debate”: “Noutros termos, não há possibilidades reais de superação das tendências racistas do capital no jogo que ele próprio impôs. Por outro lado, a particularidade do negro tem em si a potencialidade de suplantar essa condição não aceitando os termos postos a partir da reivindicação de sua própria particularidade”. Em uma sociedade como a brasileira, em que a “democracia tateia”, justamente a luta identitária é importante para a garantia de um mínimo grau de equilíbrio humanista, já que os direitos sociais, invariavelmente, são o resultado de lutas das minorias identitárias. Mesmo assim a democracia continua sendo uma tendência entre outras, num contexto desfavorável e historicamente determinado, como lembra Marilena Chaui em entrevista a Juca Kfouri em 17 de Abril de 2018 na TVT: “O direito não se refere ao que é específico, como uma carência, e nem se reduz ao privilégio. O direito é sempre universal. Ou ele é o mesmo para todos ou, quando se tem as minorias, ele é universalmente reconhecido por todos como um direito. O direito se opõe à carência e ao privilégio. Ora, uma sociedade que é feita de carência e privilégio está impossibilitada de construir a democracia”. Por outro lado, sob o ponto de vista da democracia consolidada de países “de primeiro mundo", ou seja, para um certo ponto de vista que assume a civilização contemporânea como expressão do fracasso do humanismo, a luta política identitária não seria mais do que um sintoma do irracionalismo disfarçado de inteligência, o qual se caracteriza pela enunciação do morto. A enunciação substitui o perdido pelo vazio fantasmagórico das palavras agora desvinculadas de sentido real. Na medida em que é enunciada, a questão identitária já é uma questão dissolvida. “O direito assume irresistivelmente essa curva maléfica que faz com que, se uma coisa é evidente, todo o direito seja supérfluo; e, se a reivindicação de direito for necessária, a coisa está perdida: o direito à água, ao ar, ao espaço atestam a extinção progressiva de todos esses elementos. O direito de resposta indica a ausência de diálogo etc.”, diz Jean Baudrillard em “A transparência do mal”. Sob esse ângulo a condição cultural humana, ao invés de evoluir em direção a um melhoramento de perspectivas, se agrava e se aprofunda pelos abismos da morte porque o esforço de humanismo civilizatório chega a um ponto de inversão de seus próprios valores pelo retorno do recalcado. O totalitarismo da maldade inclui assim a subversão e a confusão extremas da luta identitária, dominada na penumbra pelos poderes capitalistas, que a transforma em mercadoria como tudo o mais, iludindo os grupos de identidades diversas, vitimados de consumismo ou presos às eternas grades da escravidão, não enxergando a manipulação, pelos poderosos, dos seus desejos mais irracionais, posto que humanos. Ainda surge a falácia do “direito” à irracionalidade, expondo os limites da complexidade da entidade humana frustrada em seus equilíbrios, os quais definiriam a própria ideia de homem como senhor de seu destino pelo reconhecimento de sua concomitante e inerente liberdade no topo da montanha das forças contraditórias de sua “natureza". No aprofundamento infinito do mal o enfraquecimento da luta identitária no plano concreto inclui também, como observou Douglas Rodrigues Barros, a neutralização dos próprios elementos dessa luta na medida em que eles sofrem das contaminações imaginativas a respeito da necessidade de reforço de traços identitários uniformizadores, tais como, por exemplo, aqueles oriundos de raízes ancestrais comuns para o incremento do discurso político (como é o caso do movimento negro), gerando fragmentação e desmoralização da luta política. Ocorre que a própria compreensão do social demanda uma capacidade para o pensamento complexo. Na falta deste, a questão da identidade, no escopo da assimilação da diversidade, é alvo de reducionismos simplistas, expressivos de uma abordagem caracterizada pela simples rejeição ou negação. A identidade, como signo da unidade, irradia-se no contexto social como diversidade, através da multiplicidade. Esses são os pólos da própria ideia do humano em sua existência natural, cultural e social, e isso é a complexidade do pensamento refletida na estrutura da convivência. A ideia de identidade no âmbito político exige a maturidade e a capacidade do exercício intelectual livre de sentimentalismos. Num espectro mais amplo da subjetividade, a brutalidade dos raciocínios baseados na diferença e concomitante competitividade decorrente da subversão do “instinto de sobrevivência" tem que ser necessariamente transcendida, para que haja a compreensão da demanda pela identidade política. Pode-se enxergar, por exemplo, como início de um pensamento, o vazio identitário histórico do brasileiro, como bem assinala Darcy Ribeiro em “O povo brasileiro”, como uma marca paradoxal da formação da própria identidade e como sinal para o preenchimento desse vazio. Num passo a mais pode-se também perceber que a contradição entre as concepções brutais e a inteligência humanista no escopo da questão da identidade está relacionada com a complementaridade dos âmbitos individual e social. Do ponto de vista individual, a identidade é um processo do eu, que se caracteriza por um movimento de separatividade, controle, e poder. Do ponto de vista social, a identidade se caracteriza por um movimento de integração, partilhamento e participação. Essa contradição nos aparece como tal na estrutura dualística inerente às categorias do pensamento refletidas na linguagem e cultura. Uma alternativa lógica para o ultrapassamento dessa contradição é indicada já pela psicanálise: “Freud opõe uma radical objeção ao sujeito como plenitude e presença de si. A postura freudiana dá lugar a uma descentralização que reconduz à origem da diferença na identidade, assumindo-a como duplamente constitutiva de si. Designando o outro como condição necessária da identidade, Freud mostra que quando nos referimos ao eu aludimos inevitavelmente ao outro”, explica Mauro Maldonato em “A subversão do ser”. Porém obviamente esse “ultrapassamento" freudiano, na medida em que se inscreve na dimensão linguística e, portanto, constituindo um elemento de “experiência deformante” inerente à linguagem, além de não substituir a exposição da clássica complementaridade da dialética hegeliana do “senhor e do escravo” a respeito da consciência de si, por seu lado apenas aumenta as complexidades e os abismos que justificam a luta política identitária na medida em que reflete essa questão em nível individual. Acrescenta-se o nível social e a questão identitária segue estreitamente vinculada à paisagem econômica, a qual é condicionada por um primitivismo estrutural bem aquém da condição individual humana reconhecida pela psicanálise ou pela filosofia, como se pode depreender da leitura de Florestan Fernandes em “As mudanças sociais no Brasil”: “A minoria privilegiada encara a si própria e a seus interesses como se a nação real começasse e terminasse nela. Por isso, seus interesses particularistas são confundidos com os interesses da nação e resolvidos desse modo. Enquanto que os interesses da grande massa excluída são simplesmente esquecidos, ignorados ou subestimados. Os assuntos de mudança social entram, assim, na esfera do controle social e da dominação de classe, com uma ótica enviesada, que identifica a nação com os donos do poder”. Assim é que o pensamento complexo terá que lidar com o primitivismo configurador da situação concreta, a qual exprime a própria falta de pensamento onde ele poderia se fazer presente o que, neste caso, modificaria toda a situação. Em linhas gerais a capacidade do pensamento, esse fenômeno reflexivo linguístico da percepção, tem como uma das suas funções assimilar a identidade como a própria estrutura da forma, a partir da qual poderá originar o conceito do humano como o ser da liberdade dessa forma, pois que este é caracterizado pela incompletude do devir de sua natureza pensamental. O pensamento pode portanto conceber um indivíduo humano livre, que não esteja preso definitivamente dentro de algum "sistema" social. Apenas esse indivíduo pode dinamizar as configurações sociais. Por outro lado, se o social é encarado como uma totalidade homogênea e definitiva o indivíduo, como sujeito, pode ser considerado subversivo enquanto elemento que se opõe à coletividade. Essa contradição é dissipada quando, admitindo a realidade do ser, admite-se também todas aquelas qualidades do humano que o conduzem ao ser da responsabilidade e da razão. A principal função da razão é operar a equação das contradições, portanto assim, pela própria humanidade subentendida no exercício da razão, supera-se a contradição entre sujeito e coletividade pela construção social responsável. Há muito - desde o apogeu do Iluminismo - o direito fora postulado como um pilar da harmonia social expressando sob aspecto da “luz da razão”, a garantia da igualdade nesse plano, para que a liberdade individual, em seu próprio plano, pudesse se concretizar em qualidades específicas de talentos, traços e expressões da diversidade humana (complementarmente inclui-se também na herança iluminista o estado autoritário, o qual deve ser contrabalançado com o modelo “democrático de direito"). Nenhum humano prescinde da subjetividade. Por mais hipnotismos, repressões, irracionalidades, propagandas que existam, o fundo da subjetividade, como inteligência especificamente humana, identitária, não se extingue. E obviamente surgem da degradação dessa ideia os anti-humanismos, trans-humanismos, a bomba atômica, etc. Na contraparte, admitindo-se a constitucionalidade cósmica, tudo no homem é o outro. A própria consciência (como não cansam de assinalar os budistas), é sempre a consciência “de”. Assim, a identidade como reflexo da diferença, reverso do eu, é o próprio mecanismo consciente. Rejeitar o outro é negar a consciência; é a repressão do que “é”, do que existe. Os desdobramentos desse paradigma já foram assinalados através de outros ângulos na filosofia e na psicanálise, como indicamos acima. Trata-se de uma das elementaridades da questão filosófica da identidade a concepção da diferença, complementada pela repetição, como condição da forma e consequentemente da linguagem. Supondo uma origem, um antes do aparecimento da linguagem, a percepção humana naquele ponto apreendera o todo indiferenciado; com a linguagem e sua estrutura dualística passa a discernir, num passo adiante, as diferenças. Justamente a história desse discernimento habilita o entendimento da unidade subjacente (unidade como potência) em qualquer área do conhecimento, a qual poderá ser refletida metaforicamente na convivência social como uma escolha da consciência. Por isso o entendimento do conceito de identidade, complementar correlativo ao conceito de diversidade, liga-se à faculdade de consciência e à capacidade de escolha, duas qualidades associadas à ideia de liberdade. É necessário admitir a liberdade como uma garantia de que as pessoas possam ser o que elas realmente são. Mas se todas as ciências e linguagens já provaram a face do “mesmo” através dos caminhos da diferenciação em suas evoluções, por outro lado, claramente a maneira como as ciências e linguagens organizam a visão de mundo não favorece o embasamento lógico da igualdade no nível social porque tecnicamente esses saberes continuam produzindo suas especialidades. Essa diferenciação ao infinito é o próprio sentido da técnica. Obviamente os valores tecnicistas, preponderantes na nossa época como parâmetros de toda a inteligência, não favorecem o entendimento do fundo metafísico científico como esclarecimento metafórico para a condição psicológica que capacita o entendimento da unidade de todos os seres humanos como uma atitude benéfica do ponto de vista do convívio social. Imparcialidade, neutralidade a autonomia são valores científicos na medida em que fazem sentido no esquema sujeito-objeto. A luta identitária reivindica o reconhecimento do sujeito pelo próprio sujeito. Esses valores cientificistas, que embasam a nossa sociedade tecnicista, quando transpostos para o direito, só fazem sentido se o próprio direito for discernido como um setor totalmente especial, diferenciado, em relação aos setores econômicos e técnicos da sociedade. O próprio reconhecimento identitário, reivindicando a igualdade entre os sujeitos, só pode ocorrer apoiado num discernimento de esferas independentes autônomas, neutras e imparciais na própria organização “científica” do estado, a qual reconhecerá as relações humanas no sentido sujeito-sujeito. Formalmente vê-se que o estado se apresenta justamente assim, mas na realidade vivida seu funcionamento é amorfo e confuso e a diferenciação de suas diferentes funções não é realizada. A luta pelo reconhecimento das identidades nos aponta para esse discernimento faltante, ensejando a oportunidade de correção no sistema. A contradição aparente é que valores da diferenciação possam servir a valores da identificação. Ou seja, que os mesmos valores possam embasar objetivos, fenômenos psicológicos, políticos e técnicos, contrários uns aos outros. Portanto, a questão da identidade, para ser reconhecida como politicamente válida exige uma inteligência que transcenda a ingenuidade dualística. Uma inteligência que perceba o dualismo como uma dinâmica da unidade. Ver o mesmo através da diferença é o desafio identitário. E nisso ele é totalmente humanista e intelectual, reivindicando a ética em sua raiz. #Filosofiadalinguagem #Psicanálise #Identidade #Política #Lutaidentitária #Filosofia #MarilenaChaui #DouglasRodriguesBarros #FlorestanFernandes #Filosofiapolítica #LuamaSocio #JeanBaudrillard #Katawixi

  • Marcelo Ariel, como um pássaro, em Jaha ñade ñañombovy’a

    Assim que terminei a leitura de Jaha ñade ñañombovy’a (“Vamos nos maravilhar” em tupy-guarani), me foi inspirado talvez pela capa do livro, este explicativo poético em palavras primitivas a respeito de Marcelo Ariel, autor dessa obra: O Sol na cabeça Os Pés no animal e o Coração na flor Sua cabeça é um pássaro, não a Lua. A analogia do poeta com um pássaro também consta do título de um filme sobre Marcelo Ariel, dirigido e roteirizado por Dellani Lima, Pássaro Transparente, lançado esse ano, participante de vários festivais pelo país. Esse livro, Jaha ñade ñañombovy’a é o giro magistral de um dançarino dos pensamentos e palavras. O círculo de um visitante, um pedaço do caminho do viajante, a ardência dos maravilhamentos. Uma dança poética sobre a revelação de mapas de filiamentos poético-místicos corroborados pelas pistas de um pós-nome de Marcelo Ariel, esse “esutuareguedjinnsufinamba”. “Nosso nomadismo é no sempre e na direção de esferas cada vez mais incomensuráveis e extraordinárias”. Realiza um encontro com os amigos, evocando ao longe uma conferência de pássaros. Amizades de alta erudição. Diálogos com a sabedoria. Marcelo Ariel é o poeta místico por princípio da própria poesia que habita nele. “Somos espaços destinados à metamorfose contínua”. As imagens formadas pelas palavras desse livro tomam corpo a partir do misticismo de sonho, do viajante da luz e do escuro pelos espaços e não-espaços do conhecimento. Faz lembrar o verso de Rumi, “os viajantes da noite são cheios de luz”. “Os autênticos artistas são caminhantes”. Muitas dessas imagens são revelações, tanto das maravilhas reveladas mas esquecidas, quanto daquelas promessas ocultas propiciadas pela eterna maravilha micro-macro-cósmica. Algumas vezes integram o real na melancolia do perdido, da fugacidade. Outras vezes são um índio, um pássaro, todos os homens, ou uma fusão. Marcelo Ariel vai girando de acordo com os nomes dos sábios, dos poetas e pássaros. “As formas escondem um segredo dito para as imagens através dos sonhos”. Nesse livro, entre tantas outras coisas, aprendo tarô: “nossa tomada de consciência ou caminho, se inicia na copa das árvores de nosso ser”, escreve em “O enforcado vê o sol”; “… como diriam os surrealistas: a penetração do maravilhoso na vida." Surgem saborosos aforismos, propícios ao nosso momento, mais do que os do Blake, Marquês de Maricá ou os do Bernard Shaw (os quais são muito diferentes entre si afora os aforismos e diga-se de passagem não figuram como visitados de Ariel). Aqui estão as lições, as tristezas: “prefiro apenas afirmar que a negação e a realidade são ilusões”. Esses aforismos são metamorfoses, esperanças, chistes, choques, paradoxos, jogos, rimas, haikais, descrições, definições, a psicologia, o surrealismo, as metonímias, os contrastes, as sabedorias, os vaticínios, os enigmas, os contra-sensos, as evocações, os mistérios, as correções… Transcrevo uns: “Cidades grandes são o roubo do tempo: pequenas, a organização do tempo e aldeias SÃO O TEMPO” “Transformar o impossível em algo possível; depois esperar três semanas” “A indignação atrasada dos cordeirinhos no pântano em chamas, raposas com Alzheimer e duas pragas do Egito" “Narcisismo , narcolepsia e narcotráfico podem ser abreviadas por estas 4 letras: narc" “O ponto de convergência entre os 7.000 anos de ontem e os 10.000.000 de anos de anteontem é este momento" “No deserto da limitação da sensibilidade, o rio criado pelos profundamente sós" Pode-se dizer em palavras curtas, sobre o livro Jaha ñade ñañombovy’a, que propõe e cumpre o maravilhamento de seu título. São tantas coisas, assuntos, poesias e teatros, o leitor dançando junto com Ariel por vastidões cosmo-pensamentais englobando temas políticos, filosóficos, místicos, poéticos, históricos, numa coesão girante de mandala perfeitíssima, belíssima, estética. Certamente é um livro maravilhoso. Um tesouro em língua brasileira feito por Marcelo Ariel. É o beija-flor de um de seus aforismos: “Ver um beija-flor na chuva é o contrário de ouvir o som de um tiro" Segundo Marcelo Ariel esse livro fecha a trilogia composta por Retornaremos das Cinzas para Sonhar com o Silêncio e Com o Daimon no Contrafluxo, editados pela Patuá. Jaha ñade ñañombovy’a, de Marcelo Ariel, é editado pela Penalux, os textos são acompanhados de belas e interessantes ilustrações de Ulisses Bôscolo, apresentação de Tales Ab’Saber e prefácio de Natalia Barros. Para o livro acesse: www.editorapenalux.com.br/catalogo-titulo/jaha-nade-nanombovy-a #MarceloAriel #marceloariel #Jahanadenanombovya #vamosnosmaravilhar #vamosnosmaravilhar #LuamaSocio #luamasocio #literaturakatawixi #literaturabrasileira #literaturabrasileiraséculoXXI #katawixiliteratura #Katawixi

  • A mão dançarina do olhar escuro nos desenhos de Carlós

    O olhar de Carlós é alimentado desde sempre pelo pensamento crítico sobre o mundo, a sociedade, a política: “em casa era um crime não ser gauche”, diz, em meio a uma conversa sobre as dificuldades das ideias de liberdade, democracia e participação política nos tempos atuais: “a estrutura de manutenção de poder é tão complexa que confunde as posições na vida cotidiana”, desabafa, revelando que se interessa por midiativismo e por todas as questões associadas ao problema do atraso social: machismo, escravagismo, destruição ecológica etc… Seus desenhos expressam essa liberdade inerente do ser-artista, reivindicada pela movimentação do gesto a partir de um horizonte escuro, indeterminado quanto aos seus objetivos porém reivindicando sua identidade libertária, tudo simbolizado pela potencialidade de revelação de um negro nanquim. Ele diz que seus traços vão mais pelos caminhos do desmascaramento da forma do que pela pretensão de refletir ou construir alguma coisa bem definida. “A palavra, o desenho, não dão conta da existência”. Seu olhar é um trânsito no escuro: “a ideia de consciência é uma sombra”, declara. O estilo de Carlós é fortemente influenciado pela técnica da gravura: “fiz muitos cursos e numa época da minha vida estive ligado a um ateliê de gravuras em Recife em que as artes plásticas eram levadas a sério”. Por fim, chega à conclusão de que o artista não passa de um “bufão da corte”. O impulso para o desenho faz parte do simples cotidiano de Carlós. Ultimamente tem desenhado bastante as gatas que ficam por ali, rodeando à sua volta: “o desenho tem um diálogo com milhões de coisas da minha vida. Por um lado é desenho de observação no sentido de que tenho carinho pela figura, mas ao mesmo tempo tenho o cuidado e a intenção de não atingi-la.” Esse distanciamento da figura como resultado do olhar concomitante ao gesto do desenho que, como um par, realiza uma dança com a figura, é o contraponto da rigidez do estilo-gravura da forma: “não consigo pensar no que eu capto, é a mão que guia. Não vejo o que eu gostaria de ver. Sempre me surpreendo com o meu próprio trabalho”, diz. O trabalho de Carlós pode ser acompanhado no Instagram: @carlois www.instagram.com/carlois/ contato: carlois@gmail.com #Carlós #Desenhobrasileiro #Artesplásticasbrasileira #Artebrasileira #Arte #Carlósartistabrasileiro #LuamaSocio #Katawixi

  • A Ponte Mágica de Alcântara

    Rezam os historiadores a lenda de que Alcântara tem esse nome por conta do mandatário português que recebeu essas terras. Seria uma homenagem dele a uma antiga ponte, resquício do período romano na península ibérica, nas cercanias de Lisboa. Isso comprovaria certamente a tese de Darcy Ribeiro de que a colonização brasileira é um prolongamento do império romano. Mas por certo mesmo temos que a palavra Alcântara tem origem árabe e significa a ponte. Outra história muito confirmada sobre Alcântara é a da disputa entre famílias locais para construir o mais belo palacete para ter a honra de receber a visita de Dom Pedro ll, este sim comprovadamente tem Alcântara como um dos seus 15 nomes-sobrenomes, mas a visita nunca se concretizou. Partindo à procura da ponte de Alcântara na própria Alcântara temos contato primeiro com um belíssimo lugar não realizado, uma história do aquilo que poderia ter sido e que não foi. A natureza do lugar e as ruínas escancaram um encontro com um Brasil perdido não apenas no tempo histórico, mas em todas as suas possibilidades. Poderia mesmo, segundo as lendas dos historiadores, Alcântara ter se concretizado como a capital da França Equinocial ou uma Nova Amsterdã tropical? Em Alcântara não se encontra resposta-ponte para essa pergunta. Tampouco se encontra a ponte para a Balaiada, pois esta ao que parece não chegou até aqui. A ponte para a resposta sobre o que seria hoje Alcântara e quão rica seria com o seu algodão se a guerra de secessão norte-americana nunca tivesse tido fim também não é encontrada. Quanto aos estadunidenses existe outra ponte não concluída com eles: a da propagada tese sobre a explosão do centro de pesquisas espaciais brasileiro em 2003 e a posterior implosão de quase toda pesquisa nacional neste campo. Não temos aí nem ponte-resposta nem foguetes mais. Haveria uma outra ponte que levaria o viajante até Tapuitapera um paraíso de nossos índios se estes não tivessem sido exterminados em guerras entre portugueses e franceses e pela varíola e cólera trazidas pelos propagadores da fé cristã. Essa ponte também poderia levar o viajante a uma utópica república livre quilombola, mas isso também não acontece. Depois de 70 minutos de jornada através das águas movimentadas da baía de São Marcos que separa a ilha de São Luís do Maranhão da cidade de Alcântara, na costa do continente, chega-se a um porto onde come-se doce de coco - a principal iguaria da tradicional Festa do Divino - e adquire-se um mapa local de papel reciclado. A música do lugar, como em São Luís, é o reggae, a ouve-se “Maluco Beleza”, do Raul Seixas, em versão reggae, descobre-se também que uma das principais manifestações culturais locais é o “Tambor de Crioula” além, é claro, da Festa do Divino. Passeando pela cidade quase deserta, que foi fundada na primeira metade do século XVII, e que é tombada como patrimônio histórico e artístico nacional, passamos por incríveis ruínas de casarões, igrejas e solares. Uma dessas construções antigas se converteu em museu, o Solar dos Guimarães, em que se vê característicos objetos domésticos, móveis, porcelanas, máquinas de costura, violões, enfeites, anáguas, azulejos, sinos, de várias épocas antigas preservados ao longo dos séculos. De algumas janelas desse casarão avista-se a belíssima paisagem da misteriosa baía de São Marcos com São Luís ao fundo, do outro lado do mar. Andando pelas ruas, encontramos dona Nica, uma caixeira de Tambor de Crioula, com quem conversamos um pouco, também passamos por mulheres sentadas em frente às casas, ocupadas em suas rendas de bilros, expondo seus licores e doces a quem quisesse comprar. A vegetação em torno, pelos canteiros da cidade mesma, é bonita e rica. Uma argentina que se tornou guia turística, a Patrícia, vai nos mostrando várias plantas, contando sobre propriedades medicinais e estéticas. Ficamos conhecendo, entre as plantas, o “sino de cobra”, cujas sementes são utilizadas na confecção de bio-joias, o “melãozinho”, que serve para dar banho em criança alérgica, o “pau-pelado”, que dizem ajudar na cura do câncer. Paramos para almoçar no restaurante do Cláudio. Comemos peixe com camarão, arroz de cuxá, pirão, farinha, omelete com legumes, feijão preto e salada: a comida simples e gostosa do lugar. Entramos na igreja de Nossa Senhora do Rosário, a dos pretos. O seu João, cuidador da igreja, nos explica sobre os tambores de crioula expostos ali: três congas, cada uma em um tom, feitas de troncos inteiriços e ocos, revestidos de pele. Perto da igreja está o museu referente à base de lançamentos de foguetes que explodiu matando 21 pessoas e praticamente extinguindo o programa espacial brasileiro. A Pousada do Guará, em que nos hospedamos, fica em meio a muito verde, na beira do mar e mangue. Logo ao acordar pudemos fazer um passeio de barco a remo no mangue, conduzidos pelo seu Chico. Passeamos por inúmeros canais calmos, por entre os quais víamos guarás cor de fogo, maçaricos, garças, tainhas pulando para fora d´água, peixes quatro-olhos, baiacus, caranguejos… depois pudemos parar numa praia linda, imensa e deserta. Voltamos para São Luís, cidade cheia de azulejos portugueses, jovens e muita música. A volta foi de barco e não através de ponte. Alcântara possui sim apenas uma única e invisível ponte para um lugar mágico por sua própria natureza em que as pessoas são belas e felizes. O viajante que consegue atravessar essa ponte encontra o esquecimento de todo o resto do mundo e penetra as profundas e verdadeiras histórias não-lendas do Brasil. #Alcântara #AlcântaraMaranhão #Maranhão #históriadoBrasil #DarcyRibeiro #FrançaEquinocial #colonizaçãoportuguesa #Brasilcolônia #Balaiada #Tapuitapera #centrodepesquisasespaciaisbrasileiro #pesquisaespacialbrasileira #SãoLuís #WalterAntunes #FotosdeWalterAntunes #LuamaSocio #Katawixi #viagem

  • O Novo de Novo

    Muitas vezes quando se pensa que se está fazendo o novo acaba-se por descobrir que o novo já foi feito antes. Mas o novo sempre vem. Sempre acontece o novo de novo. * O Novo de Eugene Atget * O Novo de Karl Blossfeldt #KarlBlossfeldt #EugeneAtget #fotografia #Katawixi

  • Educação sem liberdade é pura contradição

    Não existe desenvolvimento sem liberdade. A liberdade é o próprio objetivo da educação já que o homem é justamente o ser em processo, essencialmente inacabado, o qual apenas realizará suas potencialidades em circunstâncias favoráveis ao seu desenvolvimento. Essas circunstâncias estão representadas no conceito de educação. A supressão da liberdade conduz ao atrofiamento, ao subdesenvolvimento e, em nível coletivo, a uma cultura de morte. O subdesenvolvimento é observável e extrapola o contexto oficialmente educativo, podendo ser considerado tema de psicologia social, além de ilustrar juízos a respeito de paisagens sociológicas derivadas da ausência ou presença de trabalhos educativos desenvolvimentistas e humanizados. As sociedades altamente desiguais, divididas em classes, como a brasileira, caracterizam sempre o atraso cultural e humano em relação direta com a falta de liberdade dos indivíduos. Paulo Freire, em 1970, analisa e ensina justamente a respeito desse contexto em sua obra mais influente, a “Pedagogia do Oprimido”, em que propõe reflexões e processos para a liberdade significando o sentido da vida. Ele diz: “Tal liberdade requer que o indivíduo seja ativo e responsável, não um escravo e nem uma peça bem alimentada da máquina. Não basta que os homens não sejam escravos; se as condições sociais fomentam a existência de autômatos, o resultado não é o amor à vida, mas o amor à morte”. Quando se fala em liberdade como prerrogativa da condição humana, todos tendem a concordar com sua elementaridade, como se a condição de liberdade fosse inerente ao ser humano, existente como uma qualidade natural, indissociada de seu ser. Porém quando o assunto passa a se relacionar com a educação institucionalizada, emerge toda a confusão, inconsciência, irreflexão e hipocrisia diante do tema. Entre os professores, levantam-se inúmeras objeções, restrições, argumentos paradoxais relacionados à prática da educação sob a ideia de liberdade. Há aquela clássica proposta geralmente colocada aos professores como início de reflexão em reuniões de formação, capacitação ou treinamento: qual deve ser o papel da educação, moldar o aluno ou conduzi-lo a desenvolver suas potencialidades? Ao que se seguem inúmeras respostas, que são dadas de acordo com o alinhamento psicológico ou liberdade subjetivos dos presentes, geralmente clevando à conclusão coletiva de um meio-termo entre “molde” e “liberdade”. Destarte, pensar o ser humano como um objeto que pode ser “moldado”, “libertado” ou “dirigido” chega a ser um lugar comum nas reflexões dos professores entre seus pares. Aqui bem se vê o falso início da questão da liberdade em educação. Ela não pode se dar, verdadeiramente, numa relação sujeito-objeto. Então, o que é essa liberdade? Por incrível que pareça: liberdade é justamente aquilo que extrapola tudo o que está posto, na estrutura da escola, como cultura a ser transmitida, reproduzida, replicada, a qual constitui o conteúdo de responsabilidade dos adultos, a ser incutido nos alunos. Paulo Freire ensina muito bem que o “método pedagógico”, no sentido de técnica de manipulação do educando, deve ser substituído pela consciência, a qual se caracteriza como o “estar com”: é aí que se dá uma relação verdadeiramente humana, entre pessoas livres, entre sujeitos, em lugar da opressora relação sujeito-objeto. Os sujeitos da educação, “ao alcançarem, na reflexão e na ação em comum, este saber da realidade, se descobrem como seus refazedores permanentes”, escreve Paulo Freire. Essa questão passa por uma compreensão de que a educação deve incluir a atenção para com o processo de autoconhecimento, para o desenvolvimento de consciência de cada um dos integrantes dos momentos educativos. Não se trata de entender a palavra consciência apenas na acepção de percebimento e funcionamentos dos sentidos físicos na apreensão do mundo externo, mas sim no sentido de estimulação de uma visão integrada da vida, para além da avidez, busca de poder e domínio como ingredientes da formação da personalidade. Trata-se de despertar a inteligência, estimular o desenvolvimento baseado em movimentos de compreensão e integração, fazer emergir a percepção de que os próprios seres humanos são o ambiente em que vivem. Tudo isso deve substituir o esquema tradicional de servilismo e dominação baseado na imposição da fragmentação psicológica e social que caracteriza a feição cultural de nossa infelicidade. Repressão e padronização são o oposto de liberdade, portanto frequentemente o contraste com a autoridade que os representa é o exercício da liberdade no contexto da escola. Assim, na prática, a ação do professor, em direção ao desenvolvimento da liberdade deve ser sempre direcionada ao estímulo ao invés da contenção. Como fazer significar a relação entre as ideias de educação e liberdade? Obviamente um professor que educa seus alunos para serem livres deve, ele mesmo, ser livre. Isso exclui, por exemplo, a clássica postura autoritária, e exige uma ampla criatividade no ensinar, nascida da observação das necessidades do aluno e de uma disposição, do próprio professor, em aprender. Os métodos, as atividades, a própria ocupação do espaço e a organização no tempo na escola devem nascer da relação professor-aluno. Relação sem medo, sem expectativa de resultados rigidamente projetados. O professor que nunca está a aprender, aquele mandão, sabichão, será o professor que quer o aluno a imitar-lhe ou obedecê-lo, apenas. Já o professor que está aberto ao aprender é o professor criativo. O estilo da criatividade varia, porém esse professor, apenas por ter uma consciência desenvolvida, será criativo espontaneamente, como reflexo da própria liberdade de seu ser. Até mesmo “tecnicamente" ele será um professor melhor do que o professor puramente autoritário. À primeira vista essa posição parece ser oposta àquela que postula a educação como uma ação fundamentalmente preparatória para o futuro. O discurso “futurista" é um chavão na educação e tem sua razão óbvia assim como sua desrazão. Porém na verdade, apenas a concepção da educação para a liberdade é que pode almejar um futuro verdadeiro para os seres humanos. Os discursos baseados na projeção para o futuro, com vistas ao sucesso através da competitividade direcionada a um mundo externo congelado - pelo aprendizado de fórmulas prontas - em que o aluno irá “entrar”, na verdade supõem esse mundo como algo estático, dado e acabado, o que obviamente não corresponde à realidade. Justamente pela ênfase no ensino da técnica e da reprodução de modelos perpetuam-se os defeitos culturais, dentre os quais distingue-se o núcleo do comportamento social da cultura de morte: a opressão dos mais fracos pelos mais fortes, o servilismo do povo aos senhores, mandatários e patrões. Eis de onde se parte e onde se chega com a educação que se faz “moldando” os alunos. Através do típico paradoxo da dinâmica da realidade para além da rigidez dos conceitos ortodoxos, a própria cultura humana, de um modo geral, é ameaçada de extinção se faltar liberdade. Em lugar de cultura humana tem-se uma cultura de morte, que tem como resultado e até mesmo como objetivo, a produção da morte sob várias formas, por meio de vários sistemas conhecidos por todos nós: guerra, miséria, capitalismo, escravidão, massificação, etc. A liberdade é necessária à transformação da cultura. Sem possibilidade de transformação, a organização social vai se tornando inadequada à sobrevivência dos indivíduos. A ação autoritária e simplesmente reprodutiva, no campo da educação, recrudesce a entropia e a decadência da própria cultura que ela almeja estabilizar. Portanto educação sem liberdade é pura contradição. foto: Walter Antunes #Educação #Cultura #Escola #Filosofia #FotosdeWalterAntunes #Pedagogia #Sociologia #Filosofiadaeducacão #Liberdade #PauloFreire #LuamaSocio #Katawixi

  • Poemas de P. Claudine Hoffmann em Matadouro Imperfeito

    Demorar depende do morrer. Ainda respiro com o poema pendurado no gancho esquerdo das promessas. Percorro o susto metálico dos pássaro-caça: “de onde veio a bala?” Um último canto esvazia para sempre os pulmões em miniatura: escultura plumas e pele. - Para onde vai a queda? *** Não moldar-se nas armadilhas. De todas expedições da alma fica a amplitude do resto: oceanos que armazenei em pavimentos sem certeza. Os navios sempre maiores do que a minha natureza. À mesa, camarões condenados amparam-se até o fim da fome. Matadouro Imperfeito, de Patrícia Claudine Hoffmann, está disponível na loja virtual da editora Letradágua: (47) 3278 6335 e 98897 5551 letradagua@gmail.com #PatríciaClaudineHoffmann #Poesia #Katawixi

  • Tristeza não tem fim ou sim?

    Roselena e Walker Dante, mais uma vez sentados em confortáveis cadeiras dispostas estrategicamente no quintal após um longo almoço, não conseguem conversar de outra coisa a não ser sobre o Brasil… que os tem deixado muito, mas muito tristes mesmo: Walker Dante - Tem aquela música… “o trópico tropica, emaranhado no trambique, a treta multiplica*…” Roselena - Esse sentimentalismo não resolve nada, embora não seja de todo mau desabafar inteligentemente, poeticamente, musicalmente. W. D. - Então o que é esse Brasil que nos entristece? Sempre apenas uma abstração? Roselena - Temos que entender o processo, a estrutura, o sistema. O irmão do João Cabral mostra isso naquele “O negócio do Brasil”, o próprio pai do Chico Buarque também, naquele “Raízes do Brasil”. Depois tem o Darcy Ribeiro em “O Povo Brasileiro” e outros mais. A minha conclusão sobre a nossa tristeza é que isso que a gente chama de Brasil é uma coisa que tem dono, e este não somos nós, o povo. W. D. - Cada uma dessas coisas que você falou, processo, estrutura, sistema, são diferentes umas das outras. Meu descontentamento recai justamente no problema da passividade desse povo, que parece que vem desde sempre aceitando que o Brasil não é dele, prosseguindo cego, escravo, conformado em não participar do poder de transformar o sistema numa totalidade social mais justa. Assim essa coisa de “entender” é que não resolve nada! Entendimento é mais uma qualidade psicológica que política. Roselena - Estou começando a temer por sua saúde mental. A ação deve seguir o entendimento! Você não vê que as pessoas são enganadas pelas palavras, pelos discursos? Os políticos simplesmente iludem o povo com as palavras. W.D. - Mas simplesmente acreditar no entendimento me parece totalmente ingênuo. Basta tentar, com vistas a demover alguém de um posicionamento político irracional, argumentar com informações corretas sobre o erro de tal posicionamento. Simplesmente não se convence a pessoa a mudar de opinião. A maioria das pessoas não consegue ser livre diante da repressão generalizada. Roselena - Pois então continua enigmática a possibilidade de transformação social, tão necessária e urgente, já que vemos que o país está literalmente andando para trás. W.D. - A estrutura está dada, o sistema se discerne, o processo se realiza. Sabemos do inconsciente, da análise e da performance envolvidos na questão social. Nenhum desses conceitos se relacionam obrigatoriamente. A relação que você faz entre esses aspectos é apenas o esforço harmônico da sua mente inconformada com a desigualdade de poder na sociedade. Mas já que você quer: no caso do Brasil, “o povo” só participa - e olha lá! - do “processo”, a saber, no caso político, da “eleição”. Roselena - Pois é isso mesmo, justamente a “eleição” é a ferramenta do sistema que cabe ao povo utilizar para alcançar, a partir daí, uma possibilidade de mudança na estrutura. W.D. - Mas você é esperançoso mesmo. Como é possível a transformação social num sistema estruturado justamente na ausência do conceito de povo? Para a classe dominante o povo não existe! Essa classe é composta sempre do mesmo tipo através dos séculos: agentes da exploração de riquezas da terra, visando ao mercado externo. Para esses agentes é sempre uma vantagem tática manter as massas exploradas em perene situação de pobreza ou, melhor ainda, em miséria extrema. Roselena - A possibilidade está em eleger candidatos oriundos da representação dos interesses do povo. Isso, obviamente, se tal representação não for esmagada pela classe senhorial proprietária durante o processo eleitoral. Penso que, justamente, se é a palavra, o discurso, que tem o poder de enganar o povo, é também a palavra que pode revelar o descalabro da desumanidade da classe dominante brasileira ao mundo. Talvez o medo da opinião externa coloque um freio à audácia totalitarista dos mandatários. O próprio Darcy Ribeiro assinalou a “sensibilidade" dos ricos “brasileiros" frente a má opinião internacional sobre eles. W.D. - Fatos expressivos da audácia totalitarista, exploratória e repressiva, difundidos discursivamente pelo mundo é que não faltam, a começar pelo golpe de 2016, que derrubou a presidente eleita… Roselena - A lista é longa: continua em curso a tentativa de fraude às eleições deste ano, mesmo ainda longe de sua data, na tentativa de impedir a candidatura Lula, teoricamente o representante mais forte dos interesses do povo, à presidência; o atual governo, através de todas as suas frentes (executivo, legislativo, judiciário, e com o apoio dos grandes meios de comunicação) tornou irrelevante a Constituição, desmontando sistemas de saúde, educação, previdência social; abriu as áreas de infraestrutura, tais como portos, aeroportos e rodovias ao capital privado, além de promover sistematicamente a destruição da Petrobrás; até a água está sendo vendida (porém ainda não conseguiram vender o ar), e junto com tudo isso promove-se sistematicamente espetáculos de repressão militar… W.D. - Não tenho condições de discordar inteiramente da possibilidade de fazer da palavra um instrumento democrático e político. Porém isso continua me parecendo incrivelmente insuficiente e fraco diante das circunstâncias políticas. Porque, além do mais, isso que é o Brasil, ou seja, nesse caso apenas uma simples presa do capitalismo, parece se coadunar com a realidade global, embora baseada sobre estruturas diversas de acordo com a peculiaridade de cada lugar. Diz-se que a concentração do capital, hoje, assumiu um estágio nunca dantes visto. Em todos os setores importantes da economia, apenas uma ou duas empresas controlam o mercado mundial. Diante disso, que solidariedade o discurso de protesto democrático poderia angariar, ao se propagar pelo mundo, visto que o “projeto social-democrata" parece estar se dissolvendo como uma mera fantasia ideológica em todo o mundo? Roselena - Pois então se os argumentos apocalípticos baseados na perspectiva econômica hegemônica forem os únicos válidos, quanto aos rumos da história social, damos aqui, agora, o próprio mundo como acabado. Porém a questão é que esse ponto de vista, que me parece eivado de um cientificismo positivista, contém correspondentemente o clássico obscurecimento ontológico - e diga-se de passagem, isso denota uma flagrante má fé -, o qual favorece um “inefável nada" (como diz Adorno) no ponto de partida da análise da questão. O “capitalismo” vira uma abstração indomável, magicamente dominante e invencível, harmonizado com as massas que se sentem “socialmente supérfluas, nulas, apegando-se mesmo assim ao sistema que, querendo subsistir não pode deixá-las morrer de fome”. Um grande respeito ao Capitalismo não te parece também meio ingênuo, insuficiente e meio “fraco” como posicionamento político? W.D. - Ah! Então agora você está concordando com o meu “dane-se o entendimento”! É isso que eu quis dizer. Muitas vezes, sob uma espécie de “entendimento" esconde-se um servilismo que, por vezes, apenas mascara uma sentimento de impotência. Roselena - Finalizo minha participação nessa conversa, confiante no ser humano como tal, na glória de seu poder, citando o Berkeley, para que você tire suas conclusões: “poderá haver um povo trabalhador que seja pobre e um ocioso que seja rico?” W.D. - E eu replico o Adorno (será o Betinho?): “quando, numa sociedade em que a fome seria inevitável, aqui e agora, em face da abundância de bens existentes e evidentemente possível, e da mesma maneira existe a fome, então isto exige a abolição da fome pela intervenção nas relações de produção. Esta exigência brota da situação, de sua análise em todas as dimensões, sem que para tanto se precisasse da universalidade e da necessidade de uma representação de valor”. Referências: * “Tristes Trópicos”, música de Itamar Assumpção que faz trocadilho com o título da obra de Lévi-Strauss: https://www.youtube.com/watch?v=jh-HWGecr20 “Introdução à Controvérsia sobre o Positivismo na Sociologia Alemã”, ensaio de Theodor Adorno. “The Querist”, texto anti-metalista para uma Irlanda livre do jugo Inglês, de G. Berkeley. #Filosofia #Política #Brasil #Democracia #Eleições #Eleições2018 #Katawixi #LuamaSocio

  • Do amor - o dia em que Rimbaud decidiu vender armas

    O novo livro de Ana Rüsche escrito em duas partes divididas por dez anos de diferença (2007-2017) é novela que faz uma investigação ao mesmo tempo pessoal e reflexiva das possibilidades afetivas, literárias e políticas do amor “nos tempos da câmera”. Publicada pela Editora Quelônio, a edição é artesanal. Totalmente impressa em tipografia, capa em tipos móveis e corpo do texto em linotipo. Acabamento tem papel especial cinza na capa, impressa em verde e rosa, e costura manual. Em São Paulo: 3 de Março, 16h na Tapera Taperá Link para o lançamento: www.facebook.com/events/428823514217284/ Facebook da autora: www.facebook.com/anarusche.pagina/ #DoamorodiaemqueRimbauddecidiuvenderarma #literatura #AnaRüsche

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e produtos culturais, livres de vínculos institucionais, 
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Katawixi é antes de tudo o nome de um povo que flutua agora em algum lugar na Amazônia.
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