Meu primeiro contato com a música de Walter Franco ocorreu num começo de noite de domingo no bairro do Bixiga em São Paulo em 1976 ou 77. Walter estava fazendo um show no antigo Teatro Aquarius, depois Zaccaro, e hoje, fechado.
Foi uma revelação. Pela primeira vez percebi do que se tratava o uso de eletrônica de forma criativa na música, não apenas como um amplificador de volume.
Para um adolescente vivendo no ambiente repressivo da ditadura militar, aquilo era um jorro de liberdade. Ousadíssimo.
Walter Franco utilizava duas baterias e um arsenal de efeitos como reverbers, delays, que transformavam o som da voz, por exemplo, num abismo de sonoridades originais. Cantava e fazia soar a garganta como uma orquestra de sons diversificados. O volume também era usado criativamente. Se não me engano, o Pena Schmidt era o técnico de som responsável. Acho que foi depois (ou pouco antes) do antológico show do Teatro Apa, no centro.
Um show de formação que me marcou para sempre. O repertório devia conter músicas do álbum da mosca e de Revolver.
Anos depois gravei em 1988 um LP no legendário estúdio Eldorado, e me lembro de estar emocionado em utilizar o mesmo estúdio de Revolver.
Acho que foi em 1979 que tive a oportunidade de presenciar no Teatro da FGV, a primeira apresentação de Canalha, um soco no estomago. Música de um Walter Franco que dialogava com toda a revolta do punk daquele momento.
Já nos anos de 1990, como colaborador da revista de rock BIZZ escrevi um artigo sobre o magnifico REVOLVER (1978), como o disco de uma ideal discoteca básica. O artigo motivou a gravadora de Walter a reeditar seus álbuns, o que foi sensacional. Encontro depois Walter, grato, por esse alô e finalmente travamos um contato pessoal.
a mítica capa do álbum Revolver em foto de Mario Luiz Thompson
Sempre extremamente profundo na formulação de ideias sobre som e música nossos encontros eram sobre projetos possíveis que realizaríamos, sempre focados em criação.
Descubro, ao realizar uma nova montagem, em 2006, de Bailado do Deus Morto (1933) de Flávio de Carvalho, que ele, o próprio Walter, havia participado, nos anos de 1960, de uma reencenação da peça com participação do próprio Flávio na EAD. Diogo Franco, filho de Walter e músico, participou dessa remontagem que fiz no começo dos anos 2000. Uma coincidência de interesses que atravessava décadas.
Ainda no inicio dos 2000, Walter me convida a gravar o clarone de uma nova versão de Cabeça no CD Tutano. Uma versão com muita improvisação.
Em 2003, convidei Walter a colaborar no projeto 24 Óperas Por Dia, com uma composição sobre usura. A música é incrível, com aquela concisão de melodia & letra inigualáveis. O input para o Walter foi o canto sobre usura de Ezra Pound. A música continua inédita em gravação. O espetáculo foi apresentado em unidades do SESC e na abertura do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto.
A música de Walter Franco atravessa a minha trajetória musical desde muito tempo, e a quem sempre recorro quando me lanço a escrever algo parecido com uma canção.
Walter alargou esse universo, encapsulando-o, paradoxalmente.
Dele brota o tutano, seiva oculta, envolvida pela dura casca do osso.
Essa analogia é pertinente, se considerarmos o pêndulo de suas criações do lirismo minimalista ao grito primal.
Livio Tragtenberg é compositor e instrumentista
fotos do "osso & tutano" e de Livio Tragtenberg
por Walter Antunes
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