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Dió: quando a arte, a música e a vida são uma coisa só


"Comentário a Respeito de Dió" é uma canção de Marcelo Filho e Valdir Cesar, que conta um pouco da vida de Dió (Jorge Victor Barbieri), um multi-artista paulista, de uma família que inclui vários outros artistas como Zé Capeta, Guto Barbieri e Bilim.

Dió: visionário, agregador de talentos e de pessoas, celebrador da vida e da arte de viver, um revolucionário.

A canção-homenagem a Dió, com o seu vídeo imprescindível, revela o quanto a música pode ser o instrumento para se contar a história de um lugar, de uma época e fazer justiça aos artistas da vida.


A música surgiu como uma homenagem que queríamos fazer a ele em vida, por tudo aquilo que o Dió representou e ainda representa para os seus amigos e para aqueles que tiveram o prazer de conhecê-lo.


Dió sempre foi uma figura quase mítica pra mim. Lembro da primeira vez que soube quem ele era. Meu pai e eu, ainda criança, íamos com certa frequência ao Bar do Magron, em José Bonifácio, assistir aos jogos do Corinthians quando não passava na TV aberta. E lá, entre as várias figuras e personagens, havia um que me chamava a atenção, meio hippie, meio roqueiro, de bolsa de lado, que sempre entoava o grito "Vai Timão do meu coração!".

 

Perguntei ao meu pai quem era e meu pai me contou que se tratava do Dió, e que era ele quem fazia as pinturas de mural pela cidade. Anos se passaram e pela amizade com o poeta Valdir Cesar, que é sobrinho-neto de Dió, passei a frequentar a casa do Dió para as confraternizações e encontros entres os amigos que ele organizava. Contei para ele essa passagem de quando era criança. Logo surgiu uma linda amizade, pela paixão pelo Corinthians, pela paixão pela música e pela arte de modo geral.


Assim, sempre que voltava a José Bonifácio, era obrigado, de muito bom grado, a visitar o Dió, onde muitas vezes uma pequena roda de amigos no início da tarde, debaixo do pé de acerola do seu quintal, se desenrolava um grande encontro que seguia até à noite, numa linda confraternização entre os amigos, com muita cerveja, música e debates que iam do futebol à filosofia.


Outro aspecto sobre o Dió que sempre me encantou é o quanto ele foi e continua sendo amado pelos amigos de forma genuína. Assim, Dió, para mim, continua sendo essa figura quase mítica. O sentimento que tenho é de que fui amigo de um Raul Seixas, um Belchior.


É uma grande dor agora visitar José Bonifácio e não tê-lo mais.


A música surgiu na expectativa de se fazer uma homenagem a ele em vida. Infelizmente o nosso país tem o triste costume de valorizar e homenagear aqueles que merecem somente após a morte, o que é uma grande injustiça. Assim, já sabendo de alguns problemas de saúde que o Dió estava enfrentando, ao final de 2022 eu e o Valdir Cesar, meu parceiro em várias obras, nos reunimos para produzirmos essa homenagem.


Contudo, enquanto íamos produzindo, a saúde do Dió foi piorando, e ele precisou ser internado. Na tentativa de mostrar essa homenagem a ele, ainda que fosse no hospital, fiz uma gravação demo, porém a essa altura o Dió já estava inconsciente e ficamos na esperança de que ele voltasse para poder ouvir nossa homenagem. Todavia, infelizmente ele fez a passagem sem que pudéssemos homenageá-lo.


Sua partida me entristeceu de tal maneira, que não consegui finalizar a música, somente voltei a trabalhar nela, mais de um ano após sua partida. Assim, em 24 de julho de 2024, data de aniversário do Dió, a canção "Comentário a respeito de Dió" foi ao mundo para todos.


O trabalho sobre o Belchior foi uma outra homenagem que procurei fazer para alguém em vida. Tenho até algumas suspeitas de que esse trabalho chegou até o Belchior antes dele partir, mas é papo pra outra vez. Sempre soube da importância e relevância que Belchior deveria e merecia ter na cultura brasileira, o que veio à tona somente após sua morte, com tantas "homenagens" Brasil afora.


É muito fácil homenagear depois que a pessoa se foi. Difícil é se lembrar, cuidar e mostrar a importância daqueles que estão aqui e muitas vezes esquecidos, precisando do reconhecimento que tanto merecem. Dessa forma, a injustiça sempre foi o aspecto que mais me afetou, desde criança.


Em todo trabalho que faço sinto essa necessidade de lutar contra essas injustiças. Parafraseando Raul Seixas: "Não sei por quê nasci pra querer ajudar a querer consertar o que não pode ser". Sobretudo, o sistema a que estamos inseridos, necessita das injustiças e das desigualdades para se retroalimentar. Continuarei lutando, tentando fazer essas reparações históricas, seja como forma de amenizar as injustiças ou minhas próprias dores decorrentes de tais injustiças.


Há o incômodo e é justamente sobre essas injustiças históricas. Várias figuras na história sofreram essas injustiças. Todos aqueles que se desviaram do padrão social imposto, seja por qualquer razão, foram e continuarão sendo, tratados como malditos. Isso é recorrente na história da civilização, seja na religião, na política e sobretudo na arte no período mais recente da história humana.


Com Dió não foi diferente. Como toda figura ímpar, Dió foi julgado pela inquisição moral da sociedade que o rodeava, apesar de ter sido uma criatura doce e sensível como poucos. Ele pouco se importava com isso, sendo exatamente o que era até o fim, fiel a si mesmo. Acho que esse ponto é o que mais incomoda os inquisidores.


Desde criança cresci com o sentimento de que alguns lugares não são o meu lugar. Mas hoje vejo que o problema maior não é uma cidade específica, mas a sociedade, de modo geral. Não importa o local, a ordem imposta despreza a beleza, o amor, a sensibilidade. A ordem é exaltar o ego, a virilidade, a acumulação de bens. Qualquer demonstração de afeto é fraqueza. Digo isso sem adentrar necessariamente no campo das artes.


Para muitos o mero entretenimento é arte, não que o entretenimento não possa ser arte ou vice-versa, mas o entretenimento só como produto acaba refletindo nos costumes sociais. Qualquer forma de se contrapor a essa realidade é deixada de lado. Ao mesmo tempo acredito que sempre haverá espaço para os aspectos mais sensíveis da existência, ainda que poucos saberão apreciar.


Assim como o Dió, não devemos ter medo nem vergonha de sermos quem somos, da maneira que somos, que isso nos torna únicos. Aqueles que nos amam, nos amam pelo que somos, sem máscaras.



Marcelo Filho

Nascido em José Bonifácio-SP, radicado em São José dos Campos/SP, traz influências do rock brasileiro e da MPB. Iniciou na música como vocalista da Nemodes, (disco "Quando acaba essa viagem?" - 2014 e a live session “Ao vivo e de pé” - 2015).

A partir de 2016, em carreira solo, lança os álbuns "Alucinação: Marcelo Filho canta Belchior" (2016), "Saturno" (2018), "Apocalipse Tupi" (2019) e "ALEA JACTA EST" (2022), além do EP "When I will back to home/What can I do" (2020) e do single "Comentário a respeito de Dió"(2024).




texto: Marcelo Filho em entrevista para a Katawixi

foto: frame do vídeo: Comentário a Respeito de Dió

foto de Marcelo Filho: Daniela Manchini Nizato



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