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Foto do escritorLuama Socio

O Teatro Amazonas e o Terreiro do Índio: Encontro de Águas


Por mais que haja lendas explicando a origem do nome Amazonas para o estado brasileiro que concentra, na sua maior parte, a floresta amazônica, o que vale mesmo é o sentido arquetípico desse nome, tão coerente com as impressões que se tem quando se está em Manaus.

Esse lugar é intensamente aconchegante e ao mesmo tempo hostil, muito feminino em seu princípio hermético de gênero. Aconchegante porque é quente, úmido, grandioso e eloquente. Hostil porque é muito quente, muito úmido, muito desordenado e absurdamente essencial. Isso lembra a dureza e a beleza arquetípica das Amazonas.

A joia de Manaus é o seu Teatro. Para desfrutar dessa joia, é necessário observá-la enquanto está sendo utilizada. Naquela gruta fresca, embaixo do sol escaldante, da lua brilhante ou da chuva abundante, qualquer voz ou som do palco chega aos ouvidos, postados em quaisquer pontos da plateia ou camarotes, com incrível maciez e nitidez. Deve ser a melhor acústica dentre todos os teatros do Brasil.

Mas o Terreiro do Índio não fica atrás. Percorrendo um trecho curto de barco pelo rio Negro, chega-se à comunidade de Índios Desana, designada como parceira turística no empreendimento da visita dos forasteiros e viajantes. Os Desana recebem os visitantes com lindíssima espontaneidade cênica. São introduzidos num recinto amplo, circular, paredes e teto de folhas de palmeiras. Todos se sentam nos bancos ao redor. E é apresentado um espetáculo de música e dança. Esse espetáculo é uma das coisas mais lindas que se pode ver na vida. É um conto místico que fala da origem cósmica dos homens através do tempo, nascimento e morte. Desperta emoções em todos. Os convidados são chamados a participar da dança. As pessoas dessa família Desana são simplesmente lindíssimas. Todos tiram fotos com os meninos, meninas e velhos. E todos depois querem conversar com o diretor, o “seo” Domingos, para saber mais alguma coisa a respeito dos Desana.

O fato é que a acústica do Terreiro é a mais perfeita possível. Puríssima, em meio às árvores de altura nunca vista em outro lugar. Os sons das flautas, percussões, vozes em todas as tonalidades e alturas, enfim toda a miríade delicada e aveludada da música dos Desana é ouvida em sensação de preenchimento acústico perfeitíssimo. Quem mora em cidades ou em lugares sempre próximos a cidades barulhentas não conhece a pureza sonora de um local em meio a árvores e rios, onde as cidades estão a uma distância considerável.

O espetáculo Desana e o espetáculo do corpo de dança do estado do Amazonas, os quais são apresentados, um no teatro e o outro no terreiro, não diferem em grau qualitativo: ambos ricos e lapidados. Evidentemente há a diferença de maestria entre a técnica centenária dos Desana em contraste com a técnica experimental do moderno grupo de dança. A primeira é superior em exatidão e harmonia. Em compensação a segunda não persegue essas qualidades e assume o experimentalismo com seriedade e apuro.

O que resulta desse contraste espontâneo entre cidade e mato, civilização moderna e cultura centenária, europeu e índio, é a gargalhada do simples face ao complicado: a arte é simplesmente uma humanidade mágica harmônica, que se faz por entre construções científicas ou pela sabedoria tradicional.

De acordo com Jaime Moura Fernandes Diakara, indígena da Etnia Desana, escritor e professor, o povo Desana “tem sua origem no Alto Rio Negro, às margens do rio Tiquié, bem perto da fronteira com a Bolívia. Atualmente, eles residem no baixo Rio Negro numa área própria e até pagam impostos. Sobrevivem do turismo, artesanato e outras sabedorias indígenas, não possuem assistência da FUNAI. Dentista é particular, quanto às outras doenças, são tratadas pela sabedoria do Pajé Curandeiro Kissibi Kumu.”

O Teatro Amazonas foi edificado entre 1881 e 1896, tendo como base um projeto do Instituto Português de Engenharia e Arquitetura de Lisboa e é famoso por abrigar grandes óperas desde que foi inaugurado. O Corpo de Dança do Amazonas (CDA) existe desde 1998 com o objetivo de integrar os corpos artísticos do Teatro.

A lenda das Amazonas remonta à mitologia grega, na qual figuram como integrantes de uma antiga nação de mulheres guerreiras. Quando expedicionários europeus, liderados pelo espanhol Francisco Orellana, chegaram, em 1542, à região que hoje integra a Amazônia, dizem ter encontrado um grupo de índias guerreiras, ao qual associaram o mito grego. De acordo com Gaspar de Carvajal, o escrivão da expedição, as “icamiabas” (“peitos partidos” em tupi) eram mulheres altas, musculosas, de pele clara e cabelos compridos e negros. Atualmente as Amazonas gregas têm sido representadas no mundo pop pela Mulher Maravilha, personagem de HQ, criada em 1942, que não tem nada em comum com as Amazonas da Amazônia, a não ser a referência grega.

Fotos de Walter Antunes

LEETRA INDÍGENA, v. 2, n. 2, 2013 - São Carlos: SP: Universidade Federal de São Carlos, Laboratório de Linguagem LEETRA.

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