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  • Foto do escritorLuama Socio

Fotografia e performance nas redes



Fotografia como performance entre processos de autoconhecimento, comunicação e arte em tempos de cibercultura. Foi a partir desses elementos que Alessandra da Mata compôs os autorretratos da série ‘Recorte 365’, uma série de imagens de base fotográfica que foram produzidas com o objetivo de expressar a pluralidade do “eu anônimo” da artista refletido no espelho de tipos universais e personagens famosas ao longo de um ano.


Alessandra diz que “de 20 de agosto de 2011 a 20 de agosto de 2012 foram produzidas 365 imagens. Uma por dia, religiosamente”, veio daí o nome do projeto.

“Esse processo de recriar aquilo que já foi criado, é muito antigo. Muita gente já fez. Eu não sei se alguém foi capaz de fazer isso por um ano, diariamente, como eu, mas já era uma prática comum. Eu não inventei isso. No entanto, essas imagens foram compostas num período em que as pessoas ainda nem falavam de selfie, embora o autorretrato com a fotografia tenha nascido com Man Ray lá nos anos 1920. Mas a selfie, do jeito que está configurada hoje, veio depois”.




Na época em que foram produzidas, as imagens foram publicadas no perfil de Facebook de Alessandra da Mata, mas agora voltam a ser apresentadas no Instagram da artista num novo contexto: “com a chegada da pandemia do coronavírus e o fechamento dos museus e dos espaços culturais, diversos canais de arte como o Arte 1 e o Tussen Kunst e Quarantaine lançaram desafios aos seguidores como ações de incentivo à apreciação da arte. Esses desafios propõem a recriação de obras de arte pelo público. O negócio tomou uma dimensão gigante e muitas pessoas começaram a me mandar os links desses desafios fazendo alusão ao meu projeto. Então, por causa desses pedidos das pessoas, comecei a republicar as imagens na plataforma Instagram, que não existia na época em que eu as produzi”.




A motivação para a produção das imagens está ligada a um caminho de autoconhecimento. Alessandra revela que o trabalho fez parte de uma espécie de processo de elaboração da sua autoestima num momento de fragilidade.

“Foi um período da minha vida em que não estava feliz com as escolhas que tinha feito para mim. Sem muitas perspectivas, no mês de agosto de 2011, quando fiz aniversário, decidi que ia começar a fazer um anuário fotográfico. Eu trabalho com edição de imagens, então a fotografia já fazia parte do meu dia a dia. Na época tinha comprado uma máquina semiprofissional D40 da Nikon. A ideia era fazer experimentos fotográficos e ver se eu levava jeito”.



Do ponto de vista técnico, Alessandra brinca dizendo que esta série é uma “superprodução paupérrima”, pois fez tudo com poucos recursos financeiros e ajuda de amigos. A fotografia é a base, porém muitos outros elementos foram necessários à produção, desde a pesquisa sobre as obras de arte referenciadas, elaboração de figurinos, acessórios e cenários, até as técnicas de colagem como etapa de finalização digital das imagens.


“Eu não tinha recurso nenhum. Tinha apenas um conhecimento básico sobre fotografia. Fui aprendendo fazendo. As fantasias, eu fazia com papel color set, com retalhos de tecidos, perucas de papel crepom, então imagina o quanto de manualidades você exercita num lance desses. No começo eu não tinha tripé, então para achar altura colocava a câmera numa escadinha de livros, pendurava na escada, e muitas vezes fazia segurando a câmera ao contrário. Era difícil achar o ângulo, era muito louco, fui pegando o jeito, achando meu melhor perfil. E tinha que fazer tudo em pouquíssimo tempo. No decorrer dos meses fui ganhando acessórios dos amigos, e no meio do projeto ganhei também um tripé, inicialmente emprestado, posteriormente doado. Fez toda a diferença. Fui também aprendendo a fazer colagem digital. Tanto que é visível uma evolução estética nesse sentido. Quando comecei a usar as colagens, foi bem legal, porque eu usava o fundo da imagem original e me colava no lugar da personagem principal. Porém uma regra que me impus no processo foi de não contar com a ajuda de outras pessoas na etapa do fazer. Eram autorretratos, então eu precisava fazer tudo absolutamente sozinha”.


A forma de produzir as imagens desse projeto, escolhida por Alessandra da Mata, tem uma ligação fundamental com a modelagem de formas esculturais e artes manuais, áreas em que a artista tem bastante experiência.

“Eu me considero uma pessoa artesanal. Obviamente compor uma personagem tem a ver com moldar-se a si para representar o outro. Sempre fui uma pessoa das artes primárias. Gosto de trabalhar com modelagem, costura, aplicações, tricô, bordados, desenho e pintura. A fotografia acrescenta um contato com o olhar artístico e artesanal que tenho sobre as coisas. Existe um preconceito com isso que se chama de artesanato, que o classifica como uma arte menor. Eu não considero assim, porque muito do artesanato vem de sabedorias milenares”.



As personagens “modeladas” por Alessandra evoluíram de uma ideia inicial mais universal, de representação de tipos, para se transformarem na recriação de imagens específicas, localizadas ao longo da História da Arte.

“Inicialmente comecei fazendo fotos de alguns estereótipos de profissões, o padeiro, a professora, a empregadinha gostosa do programa de humor, a enfermeira, a camponesa, aqueles estereótipos que víamos em filmes, capas de disco, ilustrações de revistas. Era meio que um exercício de interpretação também. Daí então, vieram as releituras. Li uma matéria sobre a Cindy Sherman, que ficou famosa por seus autorretratos conceituais na década de 70. À época Sherman levantou questões importantes sobre o papel da mulher na sociedade, e isso me intrigou. Era o que eu queria fazer, tocar num ponto dessa coisa, dos padrões. O único compromisso que tinha era comigo mesma, era de me ver diferente, de perceber minhas capacidades, de descobrir meus talentos, de me amar. Porque não poderia ser feliz gordinha como estava?! Agreguei esse conceito às releituras. Inicialmente eu escolhia artistas pop, eu admirava, e fui fazendo uma seleção dos ilustradores, artistas gráficos e das obras de arte que me impressionavam”.



O contexto atual da cibercultura e o predomínio das redes sociais virtuais nas relações pessoais e na comunicação é outra faceta indissociável da produção desse trabalho. Para Alessandra da Mata a conexão do projeto com as redes sociais foi além da questão da divulgação, determinando o aspecto estruturante do ritmo de produção.

“Como eu publicava uma foto por dia, com o passar do tempo as pessoas que me seguiam começaram a me cobrar, ‘cadê a foto do dia?’ Então o compromisso que inicialmente era só comigo mesma passou a ser com o outro. Era um grupo pequeno de pessoas, mas tinha quem esperava a minha produção. Isso foi engraçado. As redes sociais são portais livres para um novo tipo de comunicação. Elas estão aí para facilitar uma série de processos, mas também podem ser usadas de forma muito negativa. Você precisa estar ciente do que deseja fazer. Eu não fiz o trabalho por conta das redes, fiz para mim, mas foi ali que eu aparecia todos os dias para o olhar do outro. Talvez o fizesse mesmo sem as redes, mas obviamente não teria público, seria uma coisa mais pessoal mesmo”.



Alessandra da Mata tem 46 anos, é jornalista, mora em São Paulo, e diz que “há quem diga que sou artista, há quem diga que sou performer, mas sou apenas uma curiosa dos experimentos”. Atualmente se dedica a projetos têxteis com bordados e pretende usar algumas das fotos desse projeto em seus bordados.

O Instagram de Alessandra da Mata é:




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